24/02/2013

GRE-NAL DE OLHARES




Aposto que poucos torcedores masculinos perceberam o clássico jogo de camisas no gramado, porque homem veste a camiseta do seu time e durante os noventa minutos só olha para pernas, no caso, as que estão com a bola.

Mas garanto que as mulheres captaram de cara as vaidades: a camisa de Vanderlei Luxemburgo, mais uma dessas moderninhas, de textura diferenciada, que ele costuma comprar na descolada Spirito Santo. E, do lado adversário, é claro, a camisa de Dunga, ultimamente mais discreta do que o habitual, tecido trabalhado branco no branco, mas de colarinho duro, sempre discutível adequação para a beira de um campo. O primeiro vestia calça jeans slim fit, cuidadosamente esfarrapada. O segundo, desde o pito da CBF, largou de mão o gênero “Agostinho Fashion Week” e adotou estilo discreto e cores neutras, também para as calças de alfaiataria. Tudo muito bem observado pelas mulheres. E... onde estava o olhar dos homens nessa hora?

Eis a questão: homens e mulheres já frequentam gramados de futebol em igualdade de condições; daqui a pouco talvez também em igual quantidade, mas o olhar, ah, o olhar será sempre desigual.

Homens e mulheres têm visões diferentes sobre a vida, não seria outra a realidade do futebol, seja no estádio ou na telinha. É uma questão de foco.

Enquanto as mulheres olham consternadas para o garoto atingido pelo rojão, lançando-lhe um incontido desejo maternal de salvação, os homens miram seu olhar fulminante para o outro lado: buscam, na multidão da torcida, de onde veio o disparo, captam o agressor, declaram guerra aos gladiadores. Homem é luta, caça, extermínio. Mulher é proteção, amparo, é quem cuida das feridas.

Masculino e feminino serão diferentes ainda que no mesmo time.

12/02/2013

Escolta inflexível no Carnaval




Eu gostaria que fossem mulatas, mas são muletas, minhas companheiras de carnaval. Azuis, de tão retintas. Duras, frias, disciplinadas. Elas não sambam - tão mais pra soldados ingleses do que pra rainhas de bateria. Sua missão é garantir meu equilíbrio, minha segurança, sem muito papo. Decidiram que assistir aos desfiles de carnaval pela TV, sentada no sofá, já estaria bastante arriscado pra mim. E vetaram a caipirinha, olha só. Pelo menos me deixaram dormir tarde.



Assistimos na telinha a todos os desfiles. Elas ali, de sentinela.

Pode ser impressão minha, mas achei que o carnaval está mais hightech do que nunca. Painéis gigantes de led, chãos de estrela, vestidos que piscam-piscam-e-trocam-de-cor, edifícios-alegóricos. Só faltava a bateria não ser mais acústica. Tudo tão pós-moderno... Se o príncipe Charles volta ao Rio aposto que perde seu rebolado.



Sem poder sair do lugar, vi até os desfiles gaúchos. Já desfilei no sambódromo de Porto Alegre (e também na Sapucaí), então pude perceber a evolução do carnaval do sul este ano: os grandes animais dos carros alegóricos até já abrem e fecham a boca. As baianas são cariocas. E teve uma escola que recrutou dezenas de romanos para desfilar numa ala. Investimento pesado. Tava lindo, tchê. Agora é só regularizar essa imigração toda.



Não me impressionei com as fantasias, invejei foi os bumbuns. Esses também estão mais tecnológicos: zero celulite, zero caimento (dez, nota dez, na evolução) - deve ser coisa de novos hormônios lançados por aí. Fiquei pensando civicamente: todas nós, brasileiras, deveríamos ter direito, na cesta básica, a um bumbum de passista. Vou escrever pra Dilma.


Sabe o que? Percebi um quesito que não acompanhou a evolução dos tempos: a encenação do mestre-sala com a porta-bandeira. Cortejo é coisa de antigamente, nas minha contas. Contudo, não é que aquele homem segue ali rodopiando a moça, rodopiando, flertando-a incansavelmente na avenida, e ela se fazendo? Sim, vira a cara para o galanteador como se estivesse nos anos trinta com um leque na mão. Ora, para ser mais atual, a Porta-Bandeira deveria se atirar no colo do Mestre antes mesmo de começar o desfile, lá na concentração. Vou escrever pro Carlinhos de Jesus.


06/02/2013

DELIRANDO...

Quem diz que o cão é o melhor amigo do Homem é porque não conheceu a morfina.

Essa sim merece fidelidade, cafuné, lugar eterno ao pé da cama. Morfina até combina com nome de gato fêmea, não? Eu batizaria Tramadol um belo cão de companhia. Ora, não há melhor amigo do que um analgésico na hora certa.

Vivi alguns (gloriosos) dias de dependência química e concluí. Sabe quando respirar dói, comer dói, pensar dói, sabe quando a dor tira a vontade de viver? Não foi o que passei. Nem de longe. Mas foi a reflexão que me ocorreu nesses dias em que pude rapidamente aliviar a dor de um pós-operatório com simples doses bem prescritas.

E nesta hora eu pensava em quanta gente agoniza em situações inimagináveis de dor, sofrimento desesperador. Queimados, mutilados, transplantados, fraturados, pacientes terminais, padecimento que nem a fé consegue aliviar. Aí vem a Morfina e permite aquele momento -ainda que provisório- de uaaaahhhh... descanso. Diria até de dignidade existencial. Um oásis. Uma trégua na desgraça.

É quase feitiço: a pessoa dá um pulinho ali no céu, deita confortavelmente sobre um colchão de nuvem e respira aliviada, suspira, fala bobagem, sorri sem explicação, enfim, um providencial delírio. Dá até coragem de descer e viver de novo.

Pois então. A morfina tem o poder de transformar, de inverter radicalmente as expectativas. Renova a identidade perdida, resgata a esperança. É um salvamento heroico do ser. Num passe de mágica o sujeito pula do pesadelo para o sono onírico. Quer milagre maior?

Não é a toa que a papoula era tida pelos gregos como “a planta da alegria”- o Homem já conhecia seus efeitos hipnóticos e euforizantes há mais de seis mil anos.

Não estou incentivando o uso de drogas alucinógenas, óbvio. No meu caso, até virei chacota de hospital: dizem que na maca eu encomendava repetidamente aos cirurgiões um capricho tal que resultasse “a perna do Messi por dentro e a da Gisele Bundchen por fora”, o melhor dos dois mundos. A piada foi que entenderam o contrário, e acabei com três cortes em vez dos dois combinados. E daqui a oito meses descobrirei que estou jogando bola como uma modelo. Que delírio!

Mas nesta semana em que andei rodeada de amigos químicos, fiquei feliz ao constatar mais uma vez que na vida todo desconforto tem sua compensação.