06/02/2013

DELIRANDO...

Quem diz que o cão é o melhor amigo do Homem é porque não conheceu a morfina.

Essa sim merece fidelidade, cafuné, lugar eterno ao pé da cama. Morfina até combina com nome de gato fêmea, não? Eu batizaria Tramadol um belo cão de companhia. Ora, não há melhor amigo do que um analgésico na hora certa.

Vivi alguns (gloriosos) dias de dependência química e concluí. Sabe quando respirar dói, comer dói, pensar dói, sabe quando a dor tira a vontade de viver? Não foi o que passei. Nem de longe. Mas foi a reflexão que me ocorreu nesses dias em que pude rapidamente aliviar a dor de um pós-operatório com simples doses bem prescritas.

E nesta hora eu pensava em quanta gente agoniza em situações inimagináveis de dor, sofrimento desesperador. Queimados, mutilados, transplantados, fraturados, pacientes terminais, padecimento que nem a fé consegue aliviar. Aí vem a Morfina e permite aquele momento -ainda que provisório- de uaaaahhhh... descanso. Diria até de dignidade existencial. Um oásis. Uma trégua na desgraça.

É quase feitiço: a pessoa dá um pulinho ali no céu, deita confortavelmente sobre um colchão de nuvem e respira aliviada, suspira, fala bobagem, sorri sem explicação, enfim, um providencial delírio. Dá até coragem de descer e viver de novo.

Pois então. A morfina tem o poder de transformar, de inverter radicalmente as expectativas. Renova a identidade perdida, resgata a esperança. É um salvamento heroico do ser. Num passe de mágica o sujeito pula do pesadelo para o sono onírico. Quer milagre maior?

Não é a toa que a papoula era tida pelos gregos como “a planta da alegria”- o Homem já conhecia seus efeitos hipnóticos e euforizantes há mais de seis mil anos.

Não estou incentivando o uso de drogas alucinógenas, óbvio. No meu caso, até virei chacota de hospital: dizem que na maca eu encomendava repetidamente aos cirurgiões um capricho tal que resultasse “a perna do Messi por dentro e a da Gisele Bundchen por fora”, o melhor dos dois mundos. A piada foi que entenderam o contrário, e acabei com três cortes em vez dos dois combinados. E daqui a oito meses descobrirei que estou jogando bola como uma modelo. Que delírio!

Mas nesta semana em que andei rodeada de amigos químicos, fiquei feliz ao constatar mais uma vez que na vida todo desconforto tem sua compensação.

22 comentários:

  1. Tati, quando precisamos passar pela experiência é que sabemos, de fato, como os outros passaram. Imagino que sim, que a morfina vem como um deus, trazendo o alívio. E espero que você esteja bem agora. Que logo volte a todas as atividades de antes e outras novas.
    Beijos,

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    1. Tânia, querida, a morfina é a Deusa do Oasis! :))
      Que bom te ver aqui. Senti falta dessas trocas, e de tudo de bom que há na blogosfera literária! Mas agora vou correr (virtualmente) para resgatar o que perdi.
      Beijo pra ti!

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  2. Uma crônica maravilhosa, mais que adorei!
    A gente nunca se coloca em necessidade de Morfina até um dia precisarmos dela. O bem que ela provoca apesar de efêmero, foi brilhantemente traduzido por você quando fala de irmos ao céu e descermos com coragem para viver novamente, e olha que nunca usei morfina, mas me senti como se já. O bonito que vejo aqui é perceber que você tem tirado o lado bom da coisa, que apesar da dor e do desconforto de uma cirurgia nos faz enxergar o outro lado da moeda, ou melhor o outro lado da Morfina.
    Tirando o fato de que agora irá jogar futebol a lá Gisele, com joelho Lionel, acredito com toda certeza que esse quadro é reversível, nada como uma boa recuperação, desinchaço (e planta da alegria nele, se precisar, claro) para desfilar por aí um joelho sexy com potência de Messi que sempre desejou.

    Parabéns pelo texto, Tati!
    Fico feliz com sua volta, já estava sentindo falta dos seus escritos cheios de vitalidade e bom humor.

    P.s: melhora rápida para você, saúde em dobro!

    Beijos meus

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    1. Carine, obrigada por toda essa energia!
      Vou ficar bem, sim. Se não ficar, saberei rir disso tb. A ironia é minha forma de lidar com a parte ruim da vida. Rir da desgraça dá coragem de enfrentá-la. Por aí.
      Depois, eu realmente acredito que tudo na vida tem seu lado positivo, tipo o Jogo do Contente, sabe?
      Beijo pra ti, guria!

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  3. Ainda bem que você não se amofinou, Tatiana, e já está cheia de gás. Ainda bem que o que houve já está no fim. É bom vê-la de volta com a escrita e língua soltas. Pena que você não possa "soltar a franga" no carnaval, ou poderá?
    Abraço forte e votos de recuperação completa e absoluta, moça!

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    1. José, tuas palavras sempre estimulam!
      Óóóóh, nem me fale, eu AMO samba, AMO carnaval, mas não vou poder saracotear ainda. De qualquer forma, ficarei feliz por poder curtir um feriado light, em ritmo de sowl, abraçadinha no maridão.
      E p/ compensar a falta do gingado, estou com DUAS MULATAS (ops, muletas), uma em cada braço! Elas me salvarão!
      Abraçao pra ti, amigo!

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  4. Oi, Tati, que bom que os dedos já estão marcando gols!!
    Já está em casa então?
    Tem de dar uma paradinha básica pra recuperar bem a perna.
    Eu tenho uma esquerda bem ruinzinha. Já me deixou de cama por muito tempo (isso que eu nem jogo bola por falta absoluta de talento) e já me fez chorar sem morfina...
    Eu sigo na praia. Talvez vá embora antes, talvez a qualquer minuto, que meu pequeno bípede anda feito um ioiô e começo a me preocupar. Não sei.
    Se eu voltar nesse carnaval para Porto Alegre, te escrevo.
    Melhoras melhoras melhoras!!

    beijoss :)

    ps. O cão não é o melhor amigo do homem. O cão é o melhor amigo do seu dono! rsrs

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    1. Oi, Bipe! Uau, tu matou a charada do melhor amigo do Homem. Claro, é o homem-dono! Eu não queria fazer troça com os animais, gosto deles (e de sua fidelidade!) e muitos são terapêuticos.
      Cuide aí das tuas pernas bípedes e, se estiver em POA no Carnaval, nos falamos! Estou ansiosa para saber dos teus planos literários. Beijo, querida!

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  5. Tati,
    estropiei minha "cacunda" dormitando durante dez meses do ano passado num sofá de bunker que cabia, no máximo, duas bundas tamanho médio.
    hoje eu sofro horrores com minha opção, mas pago esta conta sem reclamar.
    eu tenho tido - de vez em quando - a ajuda de um remedim que, seguido de qualquer quantidade de birita dá uma zonzeira que é até mais ou menos...rs... e até confesso: num é ruim, não...

    fico contente que esteja de volta.
    cê fazia falta por aqui.

    abração do

    r.

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    1. Uau, Beto, tu inventou o genérico caseiro da morfina!!! O Biritol! rsrsrs
      Eu já tô só no Tylenol e na raça, que fiquei com medo de "me apegar" demais à morfina - e depois, pra apartar dessa marvada, só matano! :)
      Abração pra ti, amigo

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  6. Que você tenha uma ótima recuperação.
    E viva a morfina. rs
    Beijos

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  7. Larissa L.Ramos08 fevereiro, 2013

    Morfina. Um dos prazeres da carne! Parabéns por esta publicação tão cheia de bom humor que tu fazes como ninguém. Fico feliz pelo seu retorno no Blog, pois já estava com saudades... Estimo melhoras e que sua recuperação seja rápida, tão rápida quanto o efeito da morfina. Beijos e te cuida!

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    1. Volto devagarinho, Lari. Me arrastando como uma minhoca mas cheia de estilo achando que sou centopéia!
      Beijo, guria!

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    2. Larissa L.Ramos14 fevereiro, 2013

      Sempre elegante em qualquer situação, rsrs. Beijos

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  8. Oi, Tati, agora que conheci teu blog, vc escreve bem guria!

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    1. Obrigada pela visita, Adriana! Seja sempre bem-vinda.

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  9. Tatizinha, que medo de uma coisa assim tão boa, rsrsrs
    Melhoras e beijo

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  10. Tatizinha, que medo de uma coisa assim tão boa, rsrsrs
    Melhoras e beijo

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    1. rsrsr, é pra ter medo mesmo. 8/
      Michael Jackson que o diga!
      beijo, querida

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  11. Deus é mais sentir a dor que sentiste, mas confesso que morri de inveja do barato...
    to torcendo pela tua melhora.
    um beijo

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  12. minha querida,

    és alquimista! acabas de transformar latão em ouro!!!!

    que bacana, uma narrativa otimista e muito bem escrita.

    toda dor vale um riso. :)


    um beijo.

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