25/02/2016

NÃO É MODA, É CAUSA







Não, não se trata de mais uma polêmica do mundo da moda, como o uso de Crocs - que para uns representa a libertação espiritual, o ápice da transcendência, enquanto para outros é a clara desistência da vida, o último ato de desprezo à sociedade (o próximo passo do usuário de Crocs, dizem as más línguas, seria o suicídio de pantufas, atirando-se num rio corrente para que as águas se encarreguem de lavar sua alma sem fé, sem amor-próprio, sem salvação).

Não digo a que grupo de opiniões sobre Crocs pertenço, porque provavelmente buscaria um caminho do meio, menos polarizado, que encontrasse, talvez nas havaianas (que vai da praia ao tapete vermelho de Cannes), uma forma mais confortável de pertencer aos dois mundos, já que considero o maniqueísmo sempre perigoso e redutor.

Quero falar das meninas do Colégio Anchieta de Porto Alegre, que estão atraindo os olhares para suas pernas – não no sentido erotizado que a mulher está acostumada a vivenciar, mas no sentido que importa: o da causa.

Elas protestam contra regras estranhas e paradoxais. Alegam que a Escola não impõe uniforme aos estudantes do Ensino Médio mas que proíbe, contudo, o uso de shortinho às minas (bermudas e shorts para os guris estaria ok).

Elas poderiam apenas pedir a flexibilização da regra à Direção – e o calor de 36° desse verão seria um forte aliado do convencimento. Mas não. Elas quiseram radicalizar na melhor acepção da palavra: ir à raiz, buscar a origem da questão.

Então, vestidas com cartazes, shortinhos, e um discurso inteligente, as meninas denunciaram que tal proibição reforça a cultura machista de objetizar partes do corpo feminino como se fossem itens de consumo para selvagens famintos. Que transfere à mulher a culpa pelo assédio, abuso e desrespeito. Que atribui à vestimenta (assim ou assada) uma condição moral que deveria estar na humanidade de cada um, e não no seu guarda-roupa.

Não deixo de compreender, por outro lado, o desconforto dos mais ortodoxos. Sociedade é convívio de diferentes ideologias. E cultura não é um castelo de areia que se constrói numa rápida relaxada à beira mar. Assim como nossas avós suaram para queimar sutiãs, há trabalho pela frente.

Foi recém ontem, nos Anos 60, que o biquíni de duas peças deixou de ser aquele escândalo proposto em Paris vinte anos antes.

A causa não é moda, e é longa. Essas meninas não estão simplesmente contestando regras. Estão fortalecendo a emancipação da mulher. Combatendo e desintegrando signos repressores.

E mais - escolheram o lugar certo para radicalizar: a escola, um ambiente que se propõe seguro, justo, educativo e democrático. Que oferece a caixa de areia para os que preferem brincar sossegado no quadradinho. E o pátio para quem quer reconstruir conceitos.

22/10/2015

QUEM NÃO CHORA NÃO MAMA












Assim como crianças que “pedem bonitinho” acabam conseguindo o que querem, aquele pessoal criativo e obstinado da Itália, que performou “Learn To Fly” em 1000 vozes pra chamar atenção da banda Foo Fighters, conseguiu seu intento: hoje foi confirmado. O show será dia 3 de novembro, na minúscula cidade de Cesena. Lugar tão famoso e importante quanto Poissy, perto de Paris. Ah, não conhece? Nem eu.

Cesena tem o tamanho de uma ervilha. O show será no pátio da paróquia, imagino. Que importa? Tamanho não é documento. Ímpeto, sim.

Essa é a prova de que pequenas ideias (se criativas e bem executadas) movem montanhas. É um mote de inspiração para esses tempos de crise, em que nos habituamos a lamentar tanto, que não sobra nem tempo, nem energia, nem astral para criar soluções geniais.

Essa gente ousou. Pensou bonito. Ignorou seu tamanho. Contou com fé, determinação e amor à causa - que podia ser perdida, tanto faz, estavam se divertindo com o sonho. Apostaram na rebeldia e na arte. Protestaram com paixão. E vai dizer: ficou mais que bonitinho, ficou comovente.

Lembrei das crianças em geral e suas manobras desconcertantes. Minha filha aos seis anos me assaltou na garagem, vestida de meliante - usava máscara de mergulho como disfarce e, como arma, uma assustadora espada de plástico com luz piscante: raspou minha carteira. Se insistisse um pouquinho mais, teria levado o carro também.

O mundo é dos corajosos.

A encantadora surpresa do pessoal de Cesena pôs o Foo Fighters em xeque mate: como ignorar tanto amor oferecido por aquelas (aparentemente) insignificantes formigas?

Celebridades também têm coração.

O (aparentemente) inacessível elefante se rendeu ao apelo amoroso. E vai retribuir com serenata na janela do formigueiro.

20/10/2015

POETA OU BEATA



É preciso crer na poesia
para conter a ventania do dia de finados
para espanar os cantos nublados do céu
e iluminar a praça durante a quermesse

É preciso crer na poesia
para que a prece do dia tenha força
a conta da vida, menos pressa
e as almas vazias, algum trocado

É preciso crer na poesia
para que o pranto busque redenção
e a ave-maria a sua graça
num domingo ensolarado de missa

É preciso crer na poesia
para que a tentação mereça o seu pecado
e o arrependimento, o seu perdão.


(in "ANTES ARTE DO QUE NUNCA"
de Tatiana Druck)

11/10/2015

FERIADÃO NA SELVA DA VIDA



Houve o tempo em que eu era um pinguim. O trabalhinho que minha filha fez na escola veio em garatujas, mas parecia sério: “Com que animais sua mãe se parece? Minha mãe é um pinguim porque me abraça gelada; é um tigre porque corre bem; é uma coruja porque me cuida quando durmo.” 

Guardei a prova de afeto para quando a pimpolha crescesse e me visse com outros olhos.

O tempo passou e – bingo! - hoje em dia sou um jumento. Às vezes, víbora. Na maioria das ocasiões, típica ameba. Sim, a adolescência chegou à minha casa. Já se adota um dialeto estranho, do tipo “quem mocou meu tênis?” ou “não pilho de jantar agora” e, confesso, eu mesma me pego exclamando “partiu! tô vazando daqui” (comunicação é a lei da selva).

O habitat no domicílio está visivelmente diferente: skates pelo chão, som em altíssimo volume (veja bem, não estou falando de Mozart) e pizza de manhã. Uma selvageria.

Mas eu seria um verdadeiro jumento se achasse que está tudo errado. É a vida. Lembro que aos treze anos troquei a foto dos meus pais no porta-retrato: pus minha adorável hamster Bianca - uma singela atualização nos referenciais de idolatria. Fui além: pendurei pôster dos roqueiros malucos do ACDC na porta de fora do quarto. O mesmo que placa de “Não Entre”, só que ilustrada.

O que mais choca no mundo radical da adolescência é a inversão abrupta dos pais-heróis: o poderoso leão da selva de repente vira um moscão tonto e não há muito a fazer. Adultos não sabem das coisas e não pertencem ao bando. Pior se forem da espécie “pais”.

Não chego a me assustar, sei que a fase passa. Bem verdade que certos dias gostaria de trocar de reino: virar uma bromélia de sombra e ficar disfarçada de vegetal, esperando a adolescência se retirar do recinto.

Admiro a sabedoria da mãe-salmão: ela põe seus ovos sobre um ninho de pedregulhos e recosta docemente para morrer no fundo do mar. Ali termina sua missão, logo no início da maternidade. Ela não fica para ver os filhos recusarem um beijo de manhã ou para ouvi-los sentenciar que sua técnica de subir a correnteza já está ultrapassada há séculos. Mas logo sacudo a cabeça e recobro o norte: viva a maternidade tradicional! Filhos sentados em turma à mesa, todos falando ao mesmo tempo. E de boca cheia.

Para sobreviver basta aceitar as regras da natureza. Por isso, durante a adolescência esqueça a cena da galinha com os pintinhos sob as asas - eles vão passar o feriado de 12 de Outubro com a galera, bem longe de você.

Foi-se a temporada de ursos com abraços matinais. Relaxe, seremos ouriços do mar por um tempo. Na segunda-feira aproveite para descansar - é feriadão. Aninhe-se com o gato em frente à TV. Faça-lhe cafuné que ele lhe fará companhia.

E nem argumente que o feriado é tributo à Nossa Senhora Aparecida, aquela mãe anunciada que merece reconhecimento e blá, blá, blá. Não faça drama. Apenas reze para que eles voltem direitinho.

Lembre-se também que 12 de Outubro foi o dia oficial do descobrimento da América: o encontro entre o Velho e o Novo Mundo. E quando os colonizadores chegaram, tudo era selva.


08/10/2015

O PREFEITO ENTROU NA ONDA





Assim como Iemanjá um dia devolve as oferendas lançadas ao mar, ontem o Prefeito Fortunati devolveu a prancha de surf oferecida ao Monumento do Laçador durante a Semana Farroupilha - então apreendida pelas autoridades. 

Para quem não soube: o pessoal do Surfari, diagnosticando o olhar frio e parado do Laçador como uma tristeza melancólica de quem nunca conheceu o surf, construiu uma prancha especial para o gauchão. Não só: na calada de uma madrugada fria, os caras botaram-na sob o braço do gaudério, de forma que ele amanheceu louco de faceiro (garantem eles), com pinta de Kelly Slater dos pampas, mirando a estrada para o litoral já com outra vibração. 

A ideia da intervenção, além de chacoalhar a ordem e rir um pouco numa época de tanto cenho franzido, era divulgar o “Surf Criollo” (modalidade em que o surfista é puxado por um cavalo à beira de um açude) e mostrar que esse esporte pode estar mais próximo das lidas campeiras do que se pensa. 

Apesar do tom paz-e-amor do gesto, foi considerado subversivo e a prancha acabou recolhida pela fiscalização. O Prefeito reprovou, alegando risco de depredação do patrimônio público. 

Mas Fortunati, bom coração que é, logo entendeu a brincadeira e seu caráter cultural transformador. Acolheu o pedido público de desculpas dos responsáveis e topou encontrá-los para tomar um mate, conhecer a Associação El Surf Criollo e... devolver a prancha. 

Tudo isso foi feito ontem, sob a torrente de outro lindo projeto exposto na Usina do Gasômetro: o Tampar - do artista Ubiratan Fernandes, que utiliza 130 mil tampinhas de garrafa pet num ondão gigante, com o objetivo de chamar atenção para a degradação e acúmulo de lixo nos oceanos. 

Melhor cenário não haveria. O Prefeito literalmente entrou na onda: subiu na prancha e surfou sobre a instalação da Tampart (https://www.facebook.com/tampartproject).

Já os guris do Surfari comemoraram o retorno do objeto simbólico – quiçá estão armando missão revolucionária na vizinhança, para fazer felizes também os generais José de San Martin (na Argentina) e Artigas (no Uruguai). E a façanha ainda servirá de modelo aos monumentos de toda terra (http://tatianadruck.blogspot.com.br/2015/09/como-aurora-precursora.html).

É que - dizem as lendas gauchescas – depois da ousada intervenção, o Laçador nunca mais foi o mesmo. Afirma-se que sob aquele sisudo bigode de bronze cinzento hoje habita um sorriso sereno e realizado. Típico de quem um dia, mesmo sem sair do lugar, descobriu o mar e a imensidão das possibilidades.



25/09/2015

CURTIR OU NÃO CURTIR - EIS A QUESTÃO



Quem diria, um dedão. Um dedão gerando tanto alvoroço.

Mark Zuckerberg revelou que já está em teste sua nova e poderosa criação: o botão da rejeição. E nem se trata de um chão falso que se abrirá pra abduzir as pessoas indesejáveis através de um click. Talvez um dia. Por enquanto é só o novo ícone “não curti” para as postagens no Facebook - em oposição ao famoso dedão positivo. O assunto tá fervendo. Já tem abaixo-assinado para o sim e para o não.

Dá pra entender a polêmica. Numa época em que criticamos tudo (desde o shortinho nas universidades até o consumo do glúten), em que julgamos a todos (desde Gisele Bündchen até o Papa Francisco), em que nos arvoramos como árbitros do Universo e fiscais do comportamento alheio, esse tal botão de “não curti” pode virar uma poderosa arma bélica, metralhadora de aversões.

Seria uma pena. Talvez o que as pessoas mais gostem na Facebooklândia seja justamente a sua razoável neutralidade: um território onde todos desfilam suas alegrias sem medo de ouvir a buzinada do Chacrinha. A inexistência de um ícone “não curti” de certa forma assegura a paz nesse feliz mundo mágico virtual.

Por outro lado, a liberdade de expressão é sempre bem-vinda. Se a desaprovação é tão legítima quanto à aprovação, por que então dificultá-la? Não curtir também faz parte do jogo da vida, ora - viva a verdade! Depois, vamos convir: é muito redutor ter apenas um símbolo para expressar emoções tão diferentes. Olhe que situação esdrúxula curtir fatos tristes, como a morte de alguém. Usa-se porque é o único botão que se tem pra dizer “tô aqui”, “tô sabendo”, “tamojunto”.

Por fim, sabe-se que o “like” é um mecanismo criado originalmente com o objetivo de medir e mapear interesses dos usuários, sobretudo para fins comerciais. Talvez o Facebook também esteja interessado no nosso desgosto para a precisão dos seus mapas.

Ainda não sei ao certo meu voto sobre a novidade. Fico imaginando o estrago que a rejeição poderia causar na autoestima mais vulnerável. A mocinha se capricha toda e posta aquele selfie que pensa ser arrasador. Daí vem os espíritos de porco e jogam um balde de não curti, daqueles bem frios. Pra quê? Aqui vale o lema: se não consegue ajudar, pelo menos não atrapalhe.

Nessas horas costumo pender para o viés mais puro, bondoso e prático: Se curtiu, apoia. Se não curtiu, tudo bem - poupe seu like, mas fique quieto. De hostilidade e negativismo o mundo já anda saturado.

Por fim, acredito no poder dos fluidos: energia ruim volta ao emissário, encalha, abate. Já a energia boa prospera, constrói, contagia. O like é como o amor - uma expressão que merece circular para multiplicar.

Vai dizer: tudo fica mais azul com os dedões pra cima.
Curte aí!


17/09/2015

COMO SE A VIDA FOSSE



Minha enteada chegou hoje do colégio com vários sentimentos colorindo os olhos – como se a vida fosse assim uma aquarela psicodélica de emoções. (E não é?)

Contou que a escola ofereceu uma programação especial para festejar os últimos “100 dias” das turmas prestes a se formar no Ensino Médio. Como se a vida fosse assim uma celebração. E é!

Ela e seus colegas foram recebidos no Refeitório para um café da manhã junto a funcionários e professores em clima animado – como se a vida fosse assim um grande encontro. E é!

Depois foram levados ao Jardim de Infância (ambiente em que muitos deles cresceram) onde então se divertiram com os pequeninhos do maternal - cantando, dançando, soltando bolhas de sabão - como se a vida fosse assim uma recreação. E é!

Logo após, assistiram a uma homenagem das crianças do 1º ano do Ensino Fundamental. Cada pequeno entregou a um formando o “último caderno” (em retribuição ao ritual inverso que ocorre todo início de ano: alunos grandes entregam aos iniciantes o “primeiro caderno”) – como se a vida fosse assim uma eterna troca. E é!

Daí teve cantoria, fotos, hino da escola, abraços, risadas. Como se a vida fosse assim um longo recreio. E é!

Para terminar a manhã, houve a entrega de cartas dos pais: cada aluno recebeu sua mensagem especial. Uma choradeira só. Como se a vida fosse assim pura comoção. E é!

Então minha enteada terminou seu relato. Olhei bem nos seus olhos. Tinha todas as cores: um vermelho alegre por concluir etapa tão significativa (afinal, passa-se mais de década frequentando a escola diariamente). Também um roxo triste e saudoso pelo que ficará (todo final envolve perdas). Um verde entusiasmado com o que está por vir (o futuro promete). Um azul sublime de insegurança frente ao desconhecido (incógnitas flutuam no ar). Um amarelo esperançoso pelo novo dia que amanhecerá (aconteça o que acontecer, o sol sempre brilhará).

...Como se a vida fosse assim uma aquarela psicodélica de emoções. (E não é?)


11/09/2015

COMO A AURORA PRECURSORA


 













Quem não viu nosso Gaúcho Laçador com sua prancha de surf sob o braço, pedindo carona para a praia de Cidreira ontem pela manhã, é porque não acordou cedo.

Nesse frio de ranguear cusco, o guasca levantou com as galinhas, preparou seu mate, picou o fumo de corda, ordenhou a vaca e antes das seis da matina já tava devidamente pilchado pra se lançar nas ondas da ironia fina. E sem essa de roupa de neoprene. Ele ia de tirador e guaiaca, que é assim que se defende o taura macho, chê.

Foi a fiscalização da EPTC que melou a banda do coitado. Pra essas coisas o serviço é rápido. Arrancaram sem dó a planonda do vivente. O Coordenador da Memória Cultural da Secretaria de Cultura de Porto Alegre viu o ato como uma intervenção urbana pacífica - entendeu bem. Já o Prefeito, com menos espírito esportivo, não gostou, lamentando o risco de danificar o monumento. Ok, cada um no seu papel. 

Mas antes que você também ponha em riste seu dedo julgador, saiba que a prancha era de isopor e a manobra foi cuidadosamente engendrada por gente atenta e responsável – o pessoal do Surfari - que vive, respira e ama o que faz. Meu filho estava na equipe. Eu não sabia. Nem sempre se sabe o que os filhos fazem na rua durante a madrugada. Mas festejo que entre tantas opções desprezíveis, o meu esteja comprometido com a arte, a atitude, a alegria. Ainda que de forma assim subversiva.  

Os líderes da ação, Duda Linhares e Lucas Zuch, depois de pedirem desculpas ao Prefeito, explicaram: a ideia era aproveitar o espírito da Semana Farroupilha para enfatizar a pluralidade da cultura gaúcha e divulgar a curiosa modalidade de “Surfe Criollo”, em que o surfista é puxado por um cavalo à beira de um açude (veja aqui:  http://www.surfari.me/el-surf-criollo/).

Com isso eles também salientaram a interessante paridade entre o ginete e o surfista (ambos estão em contato com a natureza e em superfícies instáveis) e entre o campo e o mar (a linha do horizonte, a plenitude, a noção de grandeza – dão ao homem o seu devido tamanho e uma lição de humildade todo dia). E por fim, os rapazes confessaram sua felicidade: em meio a tantas notícias ruins, o monumento do Laçador Surfista fez muita gente dar risada.

Tamojunto, bagual!    

Não que eu seja praticante ou super fã do surf. Admiro-o como esporte e respeito a filosofia que o embala: a liberdade, o respeito à natureza, o equilíbrio, a fraternidade.  Minha ligação com o surf vai até aí, na rebentação. Mas prezo a liberdade acima de tudo, sobretudo a de expressão. Por isso estou aplaudindo com pés e mãos essa intervenção cultural tão criativa e irreverente.

Digo e repito: desconfio que por trás de movimentos de rebeldia há sempre uma ânsia revolucionária de paz. Então ‘mostremos valor, constância / nesta ímpia e injusta guerra’ e que ‘sirvam nossas façanhas / de modelo a toda terra’.

Mas bah.     



09/09/2015

QUANTO VOCÊ DARIA?



O marido irrompe meu escritório no meio da tarde de hoje e abre correndo a tela do computador ao lado, como se estivesse sendo transmitida ao vivo a assinatura de um tratado de paz no oriente médio. 

Cutuca-me para assistir, ansioso. Espio de canto. Um sujeito grisalho e sorridente fala em inglês mostrando – ao que parece - umas gracinhas tecnológicas. “Humpf”, penso. Não dou bola e num segundo volto meu foco para o trabalho novamente. “Homens”, concluo.

Ele inconformado com minha indiferença, brada em tom alarmista: “sabe quantas pessoas no mundo dariam tudo para presenciar este evento agora?!?” Resolvi espichar o olho com um pouco mais de paciência. Era a apresentação mundial do novo iPad da Apple. Fino como folha de papel. Rápido como a luz. Grande como a tela de cinema. Leve como a pena. Utilitário como o bombril.  

A cada novidade anunciada, o grisalho sorridente (que a essas alturas já havia ganho o nome de Tim Cook e o cargo de Presidente executivo da Apple), é interrompido pela plateia com gritos e aplausos entusiasmados, como se fosse Martin Luther King naquele discurso profético pelos direitos civis em Washington. “I have a dream..”    

Ok, se você (como eu) é desses que está atento a outras coisas e não se derrete pelas novidades tecnológicas, saiba mais: o novo iPadPro é 80% mais rápido do que os PCs portáteis. Sua tela tem 12,9 polegadas de tamanho contra as 9,7 da versão anterior. 10 horas de bateria. Quatro autofalantes. O tablet interage com uma caneta stylus que permite desenhar, escrever e pintar sobre a tela, com diferentes espessuras de traço. E dá pra rabiscar e usar os dedos simultaneamente.

Ahn? Nem se abalou? Então ouça isso e veja se resiste: por US$ 799 a US$ 1079 você leva a gracinha pra casa. Com mais US$ 99 terá também a caneta mágica. Vendas a partir de novembro. Tem gente entrando na fila agora com uma cadeirinha de pescador dobrável e um saco de dormir.

Não suspirou ainda? Prepare-se, então: o novo tablet vem com teclado virtual e físico e o modelo 128 GB tem conexão celular 4G!!! Aham! Agora sim, resolveu quase todos os problemas, não?  

Por fim, tchan tchan tchan: Tim Cook firmou acordo para integrar o pacote Office ao novo iPadPro! Já pensou? Word, Excel, Photoshop, Powerpoint – a produtividade máxima da Microsoft agora na Apple! Então? Nem um tratado pela paz no oriente médio parece tão incrível.

Nada? (Nem um óóóh...? )

Você sabe quantas pessoas dariam tudo por um troço desses?!?!? 



05/09/2015

NANA, NENÊ


Sshhhh, pronto, pronto, pronto. Agora vamos deixar o pequeno Aylan Kurdi dormir o sono dos anjos, num bercinho mais digno do que a areia dura e fria do Mediterrâneo.

Vamos guardá-lo na memória como símbolo angelical de uma absurda necessidade. Vamos. Precisamos niná-lo com bons pensamentos e sonhar com dias melhores. Porque outros refugiados virão.

Vamos torcer por mais corvetas como a da Marinha brasileira, que ontem resgatou 220 imigrantes perto do mar da Sicília, meio que por acaso. (Ou nada é por acaso?).

Vamos rezar por uma Europa (afinal tão experiente com o desespero da guerra) abrindo suas portas para os vizinhos.

Vamos festejar o plano do multimilionário egípcio Naguib Sawiris de comprar ilhas da Grécia e Itália para acomodar milhares de outras crianças que com suas famílias construirão uma nova vida em segurança e paz.

Vamos, imaginemos como Lennon: “It isn't hard to do /Nothing to kill or die for /And no religion too/ Imagine all the people /Living life in peace”.

Celebremos nas palavras da jovem poeta Carine Morais a crença de que todo anjo tem sua missão: “(...) Nadar e morrer na praia / era antes um dilema /passou a ter um rosto/ ou muitas faces refugiadas/ seus sapatos ainda nos pés/ calçavam a aparência/ de um pequeno anjo, / silenciado, / para que o mundo inteiro/ o pudesse ouvir”.

Vamos alimentar a fé de que aquele corpinho indefeso plantado no limite entre a areia e o mar era um verdadeiro divisor de águas entre a consciência e a solução.

Sshhhh... Agora vamos fazer silêncio que o menino Aylan precisa descansar.

Vá, anjinho colorido, siga agora com nossa mudez dolorida e com a necessária esperança de que nada, nada, nada acontece em vão.


25/08/2015

DEEZ NUTS FOR PREZ



Eu que há anos carrego foto de Barak Obama na carteira, andava meio perdida por não ter para quem torcer na próxima eleição presidencial dos EUA. Donald Trump com seus chiliques e extravagâncias não me representa (tenho a sensação de que sua primeira medida será um muro-de-berlim na fronteira com o México).

Hillary Clinton até teria meu apoio, mas ela cortou o cabelo igual ao meu - não gosto de pessoas invejosas.

Então trato de ir me conformando com mais uma perda de referência política, me despedindo daquela imagem gloriosa de Obama - o sorriso lindo e confiante nos pronunciamentos, a elegância nas declarações, a firmeza nas medidas necessárias. Gosto de gente assim: assertiva, bonita, humana. Gosto que ele manda as filhas arrumar suas próprias camas. Sou Obama de Dakota ao Alabama. O fim do seu mandato vai me trazendo uma tristeza melancólica como o último raio de sol num entardecer de inverno.

Eis então que meu vácuo existencial-eleitoral ganhou um novo alento: “Deez Nuts” entrou na corrida para a presidência! 

Aos 15 anos, o garoto Brady Olson mostra a coragem, a criatividade e o ímpeto de um grande líder: tomou emprestado o nome do pai e inscreveu sua candidatura como partido independente. Uhul, isso é que é balls!

Se fosse no Brasil, chamaríamos a iniciativa de molecagem, mas nos EUA - what the fuck! - Deez Nuts ganhou o imediato respeito do eleitor: teve 9% das intenções de voto na pesquisa da Public Policy Polling. (Come on, mesmo que esse índice decorra de um óbvio inconformismo social – o famoso “voto cacareco”, tipo Macaco Tião dos anos 80 - 9% não é coisa pouca, vamos convir: maior aprovação do que a presidenta de um grande país cujo nome não vou citar para não ser indiscreta).

Fecha o parágrafo e volta à questão.

Como faço com tudo aquilo que não entendo (com exceção de fórmulas matemáticas) fui me informar sobre a gênese da coisa. A expressão “Deez Nuts” (“This Nuts”), meio hiphoper, significa algo como “esses malucos”, mas ganhou personalidade e relevância ao ser verbalizada de um jeito bizarro por Welven Da Great, um simpático jovem com deficiência intelectual. Seu vídeo viralizou no Instagram. Veja em https://www.youtube.com/watch?v=4v8ek9TEeOU

Eu que vivo de perto as agruras da DI, logo me preocupei com uma possível exposição perversa da deficiência mental do rapaz. Então fui atrás de mais dados. Até que ouvi do próprio Welven que está feliz com a fama – tem sido compartilhado por ídolos que jamais sonharia ter contato. À sua maneira, sente-se honrado, recebe convites inusitados e passou a faturar US$4.500 por cada entrevista que concede. Nesse contexto, gostei ainda mais da origem partidária de Deez Nuts. 

É uma pena que Brady Olson tenha que esperar mais vinte anos para se candidatar validamente. Teria meu apoio desde já. Perguntado até onde iria com a brincadeira, o líder respondeu com o sábio oportunismo de um orador de palanque: “até onde a América aguentar”. :)  Go for it, dude!



09/08/2015

BRINCADEIRA PARA O DIA DOS PAIS



Gosto de desafiar meus filhos com uma brincadeira que tem revelações filosóficas interessantes. Pergunto: se você tivesse que escolher uma só fruta para comer a vida toda, qual seria?

Pode parecer simples, mas responder ‘morango’, ‘uva’ ou ‘bergamota’ é algo bem desesperador (mesmo que em hipótese), porque todo exercício que pressupõe exclusões gera o imediato sentimento de perda, além do medo de errar. Ou você jura que passaria tranquilinho o resto dos seus dias à base de jaca?

Outra: se tivesse que se vestir com a mesma cor para o resto da vida, qual seria? Até soa fácil. A gente se imagina de azul, respira requintado e confiante por alguns minutos, mas de repente não, não, socorro, faltará alegria. Aí lembra do vermelho - vibração, chama, sedução, yes! - mas logo conclui que a coisa ficaria russa com tanto excesso de personalidade. A resposta mais confortável nesse caso tem sido ‘branco’, mas mesmo ele, todo limpo, todo santo, todo em paz, é a nítida lacuna das cores – e diga aí, quem se veria feliz assim tão puro e imaculado por toda uma existência?

É engraçado pensar. E brincando, brincando (literalmente), dizemos as maiores verdades.

Por isso, proponho como brincadeira para esse Dia dos Pais a pergunta mais difícil do nosso questionário caseiro: com qual palavra você descreveria seu pai? A dificuldade está na síntese, pois reduzir qualquer pessoa a um só vocábulo é impossível, imagine sendo ela o seu pai. Mas tente.

Já fiz meu exercício.

Antes de tudo, devo esclarecer que na brincadeira familiar sou aquela que pensa ‘banana’ mas responde ‘laranja’ com medo de faltar líquido na opção da fruta. No quesito cor, escolho ‘cru’ quando na verdade gostaria de dizer ‘amarelo’ – meu pigmento preferido. Assim, a expressão com que eu própria me identifico bem que poderia ser ‘dúvida’ (que é um conceito, aliás, que adoro, pois contém o sábio princípio da filosofia), mas acabo me traduzindo como ‘agridoce’, que é um termo meio em dúvida sobre si mesmo. 

Então, para o meu pai - uma pessoa tão maravilhosa quanto complexa - tive muita dificuldade em encontrar a locução certa. Busquei entre seus adjetivos os mais fortes pra mim: protetor, carinhoso, inteligente, sensível, dedicado, generoso. Diversos atributos poderiam definir meu pai. Gostaria de escolher vários, mas a brincadeira é concentrar-se em um só, então penso que ‘integridade o representaria bem.

No substantivo ‘integridade’ múltiplos traços (tão próprios dele) estão embutidos: o caráter, a justiça, a honestidade, a coerência, o juízo, a confiança. Meu pai é conhecido entre os amigos por ser aquele com quem se pode jogar par-ou-ímpar pelo telefone. Não precisaria dizer mais.

Mas como sou movida a dúvidas e emoções, escolhi para o pai a palavra mais clichê deste dia: Amor.

 Sei que para um bom pai essa palavra basta. 



06/08/2015

EM CRISE DA CRISE



Ando cheia de ouvir (e de falar) mal da crise no Brasil. Já basta ter que respirá-la todo dia. Entrei numa ressaca moral, sabe assim? Um cansaço, uma repugna, quase aversão - tipo quando uma pessoa muito chata vem vindo em sua direção pela mesma calçada: “aaai, nãão, lá vem a crise!”.

Nesta semana uma amiga do Facebook anunciou que deixaria para o noticiário a tarefa de divulgar os fatos decepcionantes do cotidiano e postaria somente coisas boas: ela fala de sorrisos dados, gentilezas presenciadas, de investimentos ocorridos no país, de novos negócios inaugurados com otimismo. Achei lindo passear por sua timeline - parece uma rua ladrilhada com pedrinhas de brilhante.

Daí li a coluna do Nizan Guanaes e também gostei de saber que ele se empenha diariamente para manter a motivação (própria e de sua equipe) através do otimismo: “Nessas horas precisamos de Silvio Santos e Faustão em nossas organizações. Temos de ser verdadeiros animadores. Espalho mensagens anticrise até nos banheiros. Celebro cada miniconquista. Porque senão a gente fica todo dia celebrando a crise”, conclui. E cita o recente episódio do ataque do tubarão: “se o surfista tivesse se desesperado, tinha morrido. Ele foi lá e bateu no tubarão.” E assim Nizan inicia sua jornada: “Bom dia, crise. Vamos à luta. Vamos pra cima do tubarão.”

Então me lembrei de um livro de autoajuda para salvar casamento (não deu certo pra mim, kkk, mas pode funcionar nesse caso). Dizia algo assim: quando um casal se reencontra no lar e pergunta “como foi seu dia?”, há dois caminhos. Ou você menciona tudo que deu errado (é o que comumente acontece) e instaura aquele climão, ou você valoriza o que houve de produtivo (sempre há) e contribui para a leveza do ar.

Acho que a dica vale pra tudo na vida. A velha fórmula de ver a parte cheia do copo. De pensar positivo. De emanar e atrair energias boas.

Não se trata de tapar o sol com a peneira, de polianar ou viver no mundo do faz de conta – nem seria possível, sentimos a crise na carne todo dia, eu, você, e a vó do badanha. Basta apertar o interruptor de luz ao acordar que a crise se acenderá (literalmente) e ficará ali, alumiando sua cabeça com aquele reajuste tarifário de 39,5%.

Aí você, forte que é, apaga a luz e sai de casa cantarolando Bob Marley every little thing is gonna be alright e parece que a crise some. Então entra no supermercado e tcharan! se encontra com ela de novo – e não adianta mudar de corredor porque a crise estará em todas as gôndolas do comércio. Toda$.

Tampouco se trata de alienação, Deus me livre, só acredito no poder da mudança através da consciência e da atitude (tá, confesso: creio num pouquinho na sorte também). Mas não é isso.

Falo de encontrar jeitos positivos e práticos de se relacionar com a crise. De gastar mais fósforo buscando soluções (dizem que na adversidade há sempre grandes oportunidades) do que apenas reclamando. De criar. De usar a rede social para mobilizar ações concretas (passeatas, abaixo-assinados, crowdfunding) e não só para gerar raiva e descrença. De aportar ideias, refletir. Estimular a confiança abrindo brechas no muro das impossibilidades.
Ninguém consegue sorrir com desânimo.

Trata-se, no fim das contas, de acreditar na luz no fim do túnel. Procurá-la com afinco e ainda mostrar aos outros onde ela está.

A luz no fim do túnel nunca será sobretaxada pela inflação e, se depender do seu bom olhar, permanecerá acesa. Porque essa luz se chama Esperança - e a esperança, você sabe, é sempre a última que apaga.

05/08/2015

AMOR É O ALIMENTO MAIS NUTRITIVO



Posso não ter sido uma ‘boa mãe’ em vários momentos dessa longa carreira de progenitora. Sequer fui uma ‘mãe suficiente’ em outras tantas situações, asseguro.

De todos meus atos perante os filhos, o único em que realmente tenho a convicção de ter acertado, foi na amamentação. São inúmeros os benefícios em favor do bebê: imunidade, nutrição, vínculo, paz, acalento, confiança, etc. (há estudos que apontam até capacidade intelectual como vantagem).

Mais do que um acerto, vejo o aleitamento como um PRIVILÉGIO.

Sei o quanto é difícil para muitas mães. Também sei das situações de impossibilidade, como as anatômicas, por exemplo. Conheço mães que gostariam muito de ter podido amamentar seus filhos, que se esforçaram pela causa, e que mesmo assim não conseguiram. Por isso prefiro chamar de privilégio o que muitos consideram obrigação.

Nesta semana mundial do aleitamento materno, venho beber do assunto.

Mas não vou romantizar o quadro (não espere isso de mim). Amamentar dói, na maioria das vezes. Você tem que enfrentar rachaduras, sangramentos, ardências, até que o seio se acostume. Precisa superar aquela fase (desesperadora) de descompasso entre a produção de leite e a demanda do terneiro-bebê. Lembro do susto diante da mama empedrada e meu recém-nascido dormindo o sono dos justos: “Deus do céu, quem vai resolver isso agora?”. Você tem que aceitar sua condição de provedora no sentido mais primitivo que há. E sim, precisará “ordenhar-se” - por mais bovino que isso possa parecer.

Só perseverei na missão porque o Pequeno Príncipe que habita minha alma sussurrava: “É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas”. Eu queria muito conhecer as borboletas. “Dizem que são tão belas!”, ele provocava.

A natureza ainda me ajudou com uma fartura que permitiu levar só no peito cada uma das crias pelos seis meses recomendados e mais um pouco, thanks God.

Penso que não há experiência mais grandiosa em todo o pacote da maternidade. Essa conexão sublime entre a mãe e seu rebento é de uma transcendência existencial que nenhuma outra vivência até hoje me mostrou. Amamentar seria a experiência da vida que eu mais gostaria de reviver.

Por isso, recomendo. Se for algo viável para você, querida mamãe, não pense duas vezes: agarre com as duas mãos a oportunidade e use os dois seios que a vida lhe deu.


Agora, se não for possível, bem, apenas ame. Ame seu filhote como só uma mãe é capaz de amar. Porque apesar de válida a campanha pela amamentação, sabe-se que o Amor Incondicional é, definitivamente, o alimento mais essencial e nutritivo que uma mãe pode oferecer.


31/07/2015

FORMIGAS TAMBÉM VOAM



Run and tell all of the angels that everything is alright.(...)
Make my way back home when I learn to fly high"
(Learn To Fly - Foo Fighters)





   Adoro protestos pacíficos e criativos (quem não?), mas esse surpreendeu pela delicadeza da operação, que foi gigante. Pense gigante. A inusitada ação ‘Rockin1000’ reuniu gratuitamente mil músicos fãs do grupo Foo Fighters para tocarem ao mesmo tempo Learn To Fly, como forma de reivindicar um show da banda americana na pequena cidade italiana de Cesena (algo do tamanho da nossa Erechim) - obviamente jamais incluída no mapa de espetáculos deste consagrado fenômeno do rock alternativo.


Foi um gesto tão delicado e gigante quanto uma formiga apaixonada oferecer um buquê de mil lírios a um célebre elefante.

O resultado foi bem mais do que um cativante apelo. Foi um afinado encontro de sonhadores, efervescente e emocionante, que já conta com mais de oito milhões de acessos no youtube. Você pode acrescentar o seu e conferir o vídeo aqui:   https://www.youtube.com/watch?v=JozAmXo2bDE

Era um protesto. Poderiam fazê-lo atirando pedra em janelas, ateando fogo em ônibus, parando de trabalhar. Preferiram o poder da música: guitarra, baixo, bateria e voz como ferramentas da insurreição.

Funcionou. “Che bello, Cesena! Nos vemos logo” - respondeu ontem o líder da banda, Dave Grohl, ao receber esse incrível buquê de arte, amor e energia.

O idealizador dessa ousadia entrou imediatamente para minha lista de ídolos, junto de outros fortes como Schwarzenegger e Stallone.

Ele conta que passou mais de ano organizando o plano. Ensaiando passos, angariando voluntários, convencendo incrédulos. Buscando verba com um teaser nas redes sociais “compartilhe, doe e reze por nós”. Em contrapartida oferecia uma camiseta, uma cerveja e uma típica piadina romagnola (o calzone tradicional da região).

E assim, como uma formiguinha maestra, foi orquestrando o levante.

Fabio Zaffagnini é um herói revolucionário. “A Itália não é um país onde os sonhos facilmente se realizam, mas é uma terra de paixão e criatividade” – mandou ele. Paixão e criatividade. Eis o açúcar que o movia.

“Acordava toda manhã pensando em como viabilizar o projeto. O que precisamos é de um milagre gigante”, desabafou.

     De centímetro em centímetro, Fábio. Com paixão e delicadeza. Assim trabalham as formigas. Assim elas conquistam o gigante. E assim, milagrosamente, aprendem a voar.   

21/07/2015

O SAMBA DO COLONO DOIDO



Pegamos a estrada para a serra. A ideia era sair da rotina. Comemorar o primeiro fim de semana de férias dos filhos com programa típico do nosso inverno.

Passando o pórtico de Gramado vimos uma família encarangada com casaco, luvas e gorros, tirando foto em frente ao totem que marcava a temperatura: 19 graus. Certo que turistas do nordeste.

Daí pra frente o trajeto foi como mesa de café colonial: salsichão com schimia de morango; um palhaço em perna-de-pau dividindo calçada com a Coelha que distribuía balas de menta coladas em panfletos. O Museu de Cera disputando clientes com o Fondue de Queijo. Cinema 4D e Chocolate Artesanal. Malhas feitas a mão e Mundo a Vapor.

E ali perto, na Aldeia – um alce branco alertava na placa - mora o Papai Noel e sua turma.

Meu filho comentou: “Gramado anda bem randômico, né?” Achei a expressão um tanto sofisticada pra definir aquela muvuca toda. Era pra ser um lugar bucólico, de colonização alemã e italiana. Não uma disneylandia serrana tomada por carros de som convocando para o Harley Motor Show. Onde estão as araucárias? E as hortênsias? E os Quatis? Até o Lago Negro ganhou imponentes chafarizes.

Fiquei preocupada com a falta de coerência cultural na cabeça dos pequenos. Como explicar que ao lado da Cascata do Caracol fica a Montanha Nevada? E que aquele calorão não estragará o plano de patinar no gelo? - Crianças, vamos ao zoológico ver a Onça Pintada em extinção e na sequencia visitaremos os já extintos Dinossauros (que aliás parece que reviveram e invadiram a serra). Socorro.

A cada esquina tem um ponto diferente pra tirar foto bizarra. Como a turma de bruxas com cabeças vazadas para colocar as nossas. Um chimarrão gigante jorrando água. Um búfalo selvagem típico do noroeste canadense em frente à loja de couro. Um cavalo em tamanho real com um gaúcho a pleno galope - ambos empalhados.

“Era pra gente sair da rotina, mas Gramado é que saiu, né?”. De novo meu filho e suas interrogações enigmáticas. Achei o comentário um tanto cabalístico pra definir aquela aberração. Mas seguimos observando. Uma locomotiva de trem caindo para fora de um prédio. Índios apaches. Um museu medieval. Um mini mundo. A cidade toda mais parece uma maquete feita de biscuit.


Bom, a ideia era sair da rotina. Acho que deu certo. Trenó montanhês x Harley Davidson; Mambembes x Mamãe Noel; Coelho da Páscoa x Tiranossauro Rex; a gente só veria em Las Vegas. A preço de euro. E nem teria salsichão com schimia de morango.

10/07/2015

O NOVO CAMINHO DAS ÍNDIAS

Auditório da escola lotado de adolescentes de quatorze a dezesseis anos. 

Lá pelas tantas, o jovem poeta palestrante observa que a novíssima geração de leitores se encanta é com a poesia que cabe no Bloco de Notas do IPhone. Risos cúmplices da plateia.

E que a poesia curta funciona porque... meio que explode uma emoção, tipo assim, soco no estômago.

E ainda: que se a reflexão proposta no poema for despretensiosa e aventureira, então falará direto ao espírito livre da juventude. Ilustrou seu pensamento: enquanto Os Lusíadas apresenta uma viagem poética gigantesca, Paulo Leminski oferece uma rota curta e divertida: “não discuto/ com o destino/ o que pintar/ eu assino”. E é por essa trilha que a garotada vai preferir caminhar.


Hoje Guilherme Becker falou mais como porta-voz de uma geração de leitores do que como escritor. Do alto dos seus 18 anos citou Tumblr, Facebook, Twitter Instagram, como ferramentas básicas de input cultural contínuo. Traduziu o anseio dessa turma que lê simultaneamente cinco mídias no celular enquanto ouve música, dá risada e toma um suco. E olha que Guilherme é uma exceção que, além dessas ferramentas, ainda consome cerca de 70 livros de papel por ano.

É preciso ouvi-los para saber o que efetivamente ouvirão.

Por isso fiquei ali quietinha, fingindo que estava filmando quando, na verdade, aprendia.

Não anotei no bloco de notas porque sou do tempo da cadernetinha. Mas levei pra pensar durante o dia.

Sempre achei a poesia uma arma com a cara da nova geração. Porque se apoia na metáfora, que nada mais é do que uma abreviação, uma imagem aberta ao intérprete. Com pouco, se diz muito. E a mensagem aparece à jato, como eles. Tudo o que o jovem quer é chegar logo. E logo partir pra outra.

Como ouvinte, aprendi que essa gurizada não vai engolir tratado sobre assunto algum. Nem quer amarrar com muita força sua opinião - que, inclusive, poderá mudar dali a cinco passos. O mesmo tempo, aliás, que levarão para ler mais dez ou vinte coisas novas. Nunca se leu tanto.

A diferença é que na época de Camões, era aceitável narrar uma epopeia em 8.016 versos. Havia leitores para tanto. Hoje, ou você dá seu recado em 140 caracteres, ou a plateia digital se esvazia. 

Leminski, em Não Discuto, cuspiu a libertação em dez palavras e abriu passagem. Vamos em frente. Parece que esse atalho é o verdadeiro Caminho das Índias de hoje.