12/09/2012

Da série Celebrando as Amizades de Valor

QUENGAS DO NOSSO BRASIL
quengas 
Tenho uma amiga cujo ímpeto eu admiro. Ela mora em Itacaré, para onde foi em busca de paz. Éramos colegas de profissão, conduzíamos centenas de processos judiciais e dezenas de incomodações. Fafá trocou as pedras no sapato por um leve par de havaianas e – até mais ver!.. - aposentou-se antecipadamente. Ela teve a coragem de poucos: trocou conforto por simplicidade. Champagne por água de côco. Escritório por bico. Capital por vilarejo. Um milhão e meio de porto-alegrenses por um punhado de baianos alegres e desprendidos. Fafá trocou cidade por paraíso. Levou junto o parceiro e o ímpeto de radicalizar.
Fafá ri com sabedoria, reflete com graça, me diverte e inspira. Tem sempre uma percepção diferente da vida, um apanhado imprevisível sobre a existência. Vez que outra conta cenas surreais captadas da vivência rústica no seu blog “Dinoráh com agá no fim” (http://www.dinorahcomaganofim.blogspot.com.br/), vale checar.
Estive com ela duas vezes na Bahia, e com certa frequência nos visitamos por e-mail (é desses que quando vejo na caixa de entrada corro a abrir ansiosa como se fosse ovo de páscoa). Tem sempre um relato sábio e risível (pra mim, o binômio da boa história). E é acontecimento tão sublime que costumo ler o e-mail em voz alta, compartilhando-o com o marido durante algum momento nobre como o café da manhã, porque sempre gera descontraídas gargalhadas, seguidas de debates filosóficos, ou seja, um prosaico momento de prazer.
Pois ontem recebi e-mail da Fafá. Ela contava sobre o 7 se Setembro em Itacaré, quando ajudou a organizar o desfile da escola pública onde leciona: “Tinham vários temas, entre eles, é claro, Jorge Amado. Então as crianças deveriam representar diferentes personagens das suas obras. Logo a fila das "quengas" ficou enorme – todas as alunas queriam sair de quenga! - que vergonha”.
Minha primeira reação foi imaginar a cena e rir. Logo depois, bateu a tristeza pelo que representa esse rico dado sociológico. É triste que meninas em plena fase de sonhos, fantasia e idolatria valorizem a sedução como atributo máximo de valor, a prostituição como carreira.
Não esperaria identificação da jovem brasileira com Joana D’Arc, Cleópatra, ou Anita Garibaldi (pra ser mais local). Mas por que não a heróica Lívia? A corajosa Malvina, a refinada Ester? Ou mesmo Gabriela, alegre e trabalhadeira, com sua sede de liberdade e valorização do amor acima dos interesses materiais.
Nossos referenciais são pouco nobres, pouco promissores, sem ambição ou talvez esperança. No Brasil, rapaz de sucesso é Neymar - que além de jogar bola, tem uma fila de quengas de vestido curto atrás.






19 comentários:

  1. adorei essa Fafá com fila das quengas!
    eu queria ser uma bem enfeitada, daquelas que leva consigo tudo que tem rsrsrs

    beijoss :)

    ps. tou indo espiar o blog!

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    1. Ah, Bipe, tu és uma subversiva írônica, eu sei.
      Também gosto da irreverência brazuca. E que fique claro: sedução é, sim, um atributo de valor - mas não é o maior e uma quenga não deveria ser idolatrada pelas meninas como se fosse a galinha dos ovos de ouro. Não nessa idade tenra, pelo menos. Dá pena. E um tanto de desilusão.

      Beijo!
      PS: espia a Dinoráh sim! Vais gostar.

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    2. Tati, na verdade, os papéis femininos nunca nos fizeram justiça. Nós não somos personagens. Não deveríamos ser encaixotadas pelos homens como quengas, esposas, filhas, escravas e outras possibilidades.
      Deveríamos fazer uma revolução rsrs e acabar com todos os Y, exceto com os que a gente ama rsrsrs
      Beijoss

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    3. Apoiado, Bipe! Onde assino minha adesão à revolução-dos-papéis-pré-definidos? :)
      beijo!

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  2. Tati, é verdade. Nossas referências, nossos mitos, nossos herois...quem são? Um texto leve, descontra´do, mas que não deixa de apontar um problema social sério. No mai, ai que inveja das havainas da Fafá! rs

    Beijos,

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    1. Tânia, querida, eu me preocupo de verdade. E ando numa fase de desacreditar no nosso Brasil... logo eu, uma Polyana nata.
      Temos que rir e refletir, que são dois movimentos essencias à vida!
      Beijo pra ti.
      PS: a Fafá é minha heróina da libertação!..rsrsr
      Os heróis estão à nossa volta, e alguns não usam capa, mas havaianas!

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  3. Queres me matar de emoção? Ser citada em teu blogue já é uma honra de tamanho incalculável, mas ser declarada heroína??? Nossa! É coisa que talvez não mereça, mas aceito com uma modéstia, meio falsa, pois meu ego já se inflou feito um sapo gordo.
    Tatiana, de tudo o que já vivi na vida -e olha que 58 aninhos não é para qualquer um - ter convivido contigo foi uma das melhores coisas. Contigo aprendi muito, ri muito - tens a desvantagem, lamento dizer, de não sacudires a barriga para rir, uma vez que não tens um pingo dela, coisa que consigo fazer com rara maestria.
    Para quem acha que fui corajosa em trocar salto alto e meias da nailon por umas Havaianas, lamento informar que não não se trata de coragem, mas de loucura mesmo. Aproveito para informar que ainda está valendo a pena.
    Com relação as "quengas", confesso que me deliciei em ve-las desfilando por ruas calçadas com paralelepípedo, de salto alto emprestado, algumas com muitos números além do tamanho do pé, outras, nem chegaram calçadas no retorno do desfile, já haviam tirado os sapatos pelo caminho - acostumadas a andarem descalaças ou de havainas, não conseguiram ser quengas por muito tempo. Cá para nós, BEM FEITO!
    Tatiana,desculpe pelo abuso, conversei além do que recomenda a boa educação.
    Por último, declaro para todos que frequentam o BICHO que você é uma das pessoa mais generosa com quem tive o prazer de conviver.
    Muito obrigada,
    fafá

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    1. Ah, Fafá...deixa disso. Se viraste "heroína", usufrua, tu mereces. Invejamos tuas chinelas! Que bom nos dares notícias sobre os cantos daí - são relatos riquíssimos!

      Beijo de saudade, minha heroína da libertação!

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  4. Tati, a prostituição é uma profissão tão antiga quanto os primórdios
    da humanidade. Hoje talvez comece mais cedo, está mais "sofisticada", a sociedade está mais corrompida e cada vez mais hipócrita. Embora a mulher esteja conseguindo tornar-se mais respeitada, menos desvalorizada, ainda temos um longo caminho a percorrer, não achas? Tudo gira em torno da grana, do poder. Nessa
    sociedade cada vez mais consumista, o que conta é a fama e o dinheiro. Se um Ronaldinho gaúcho é homenageado na Academia Brasileira de Letras, o que ainda podemos esperar?

    beijoss

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    1. Ah, Ci...a Polyana que me habita espera tanto!!..

      Tens razão quanto à ancestralidade da prostituição, eu diria mais: não é um mal necessário, mas um bem social.

      Só que eu preferia nossas meninas baianas identificadas com Dilma, entende? Acho que brasileiro não tem auto-estima quando tem tudo pra ter.

      E, cá entre nós, pior que a homenagem ao Ronaldinho, é a ABL fazer do Sarney um imortal, não achas?

      Beijo pra ti, querida!

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    2. Entendo muito bem, Tati, eu também prefiro que elas se identifiquem com a Dilma, mas isso ainda vai demorar, não é pro nosso bico, bota aí uns 50 anos!, pelo menos...
      Cá pra nós e pra blogosfera, rsrs, Machado de Assis deve
      está se estremecendo todinho, porque, quando ele fundou a ABL seus objetivos eram totalmente diferentes do que ela é hoje em dia. Aliás, já faz muitas décadas que aquilo alí cheira a mofo, não vejo aqueles "imortais" fazerem nada de relevante pela Literatura ou pela Cultura brasileira!

      beijo

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Talvez seja um radicalismo da minha parte, mas há muito desliguei a TV na minha casa, e não é só para ficar bem na fita, mas é que 99,99% do que passa na aberta, me enoja, e não tenho TV por assinatura, na verdade meu tempo livre, estou mergulhada num livro ou vendo um filme, e estou muito bem assim, obrigada. Exatamente pela desconstrução de tudo que foi referência para mim, valores que hoje parecem piadas.

    Lamento mesmo que a obra de Jorge Amado seja conhecida por muitos, através desse veículo e da adaptação tão limitada e estreita. Mais pena ainda de perceber a auto-desvalorização tão precoce.
    Ótimo texto, Tati, como sempre. E agora vou lá na "Dinorah com agá no fim".

    Beijo!

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  7. Canto, concordo contigo.
    Siga abraçada nos livros e filmes. E escrevendo sempre, ok?
    Beijin!

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  8. Ei, Tati!

    Estou gostando muito do que você escreve. Faço uma leitura leve de suas palavras. Adoro esses temas cotidianos, quando retratados com enfoque em "amizades de valor", ficam ainda melhores.

    Muito me identifiquei com a Fafá, tenho uma história parecida...

    Quanto à sua percepção, concordo plenamente e como mãe de três filhos temo pelos atuais valores, tentando sempre mostrá-los essência e dignidade.

    Beijo!

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  9. LEgal, Adri! que bom que gostas e participas. E que bom que também viveste a tua libertação - ousar é sempre uma experiência rica.

    Querida, siga mostrando aos teus filhos o melhor caminho!

    Beijo

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  10. Oi Tati,
    Não sei, não sei. Com certeza, não. Exceto que... Acho que as meninas só queriam brincar, provocar... Como as Muquiranas no carnaval. São os homens que se fantasiam de quengas e arrebentam... Depois ninguém sabe... Mas... É controverso e delicado este tema.
    beijo,
    José Carlos

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    1. rsrsrs...verdade, José. No fim tudo é relativo.
      Abração!

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  11. Bonita esta sua casa. Estou com a Bípede, estou com você. Bjs

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