04/06/2015

O peso do amor e o colapso dos rituais


Bruno Juillard bateu de punho cerrado sobre mesa e acabou com a brincadeira: “é o fim dos cadeados!”, ordenou. “Estragam a estética da ponte, são estruturalmente ruins e podem causar acidentes”, foram as razões definitivas.
Então seguirá arrancando a fórceps (leia-se, a guindaste) as quarenta e cinco toneladas de juras de amor da Pont des Arts de Paris. 

Sabemos que o Amor não precisa disso. Nem de emblema, nem de amarras (muito menos). O amor, aliás, é leve e movediço. Antes flana sobre o Sena, em vez de ficar ali aprisionado em metal pesado.

Se eu fosse escolher alguma imagem como símbolo, seria a do Amor tomando um café com crème brûlée numa esquina qualquer de Paris, com um galouise sem filtro bem tragado depois – a fumaça espargindo aquele delicioso aroma de romance sobre o rio. Assim etéreo. Assim sentimental. E olha que eu nem fumo.

O fato é que o Ser Humano (esse sim) necessita de símbolos concretos. Vale tudo: figa, crucifixo, fitinha do senhor do bom fim. Quem não?  E somos adeptos a rituais. Toc, toc, toc. Ajoelhar e benzer-se. Pular sete ondas. Quem nunca?

Daí, Monsieur Juillard, que a questão não é assim tão só matemática. Tão só engenharia civil, entende? Precisamos materializar nossos sonhos e desejos através de metáforas criativas.

E não dá pra negar que as possibilidades estão reduzindo nesse mundo tão politicamente correto. Olha só: não se pode mais entalhar as árvores com o clássico coração, flecha e iniciais dentro (o Ipê, a Imbuia e o Jacarandá estão ambientalmente protegidos). Tatuar no peito o nome do ser amado fica bem difícil de apagar depois (... e que o amor é efêmero, bem, até os apaixonados desconfiam). Já aquela clássica oferenda da vela, pimenta, óleo de pitanga, arruda, sal grosso, mel, carvão e rosas vermelhas é meio trabalhosa - e se incluir galinha morta, então, a lei pega.

Assim, o artifício de selar as juras de amor com um cadeado sobre a ponte e jogar a chave no rio, parecia bem interessante – “não é o que os peixinhos dizem”, alguém alegará. E Juillard ainda acrescentará o pesado argumento da carga.

Está difícil ser romântico e correto ao mesmo tempo.

Assim, antes que sejamos consumidos pelo vazio metafísico nesse mundo já quase sem Deus, deixo aqui minha ideia de “cadeados reaproveitáveis”. Usei a estratégia numa ponte em Salzburg. E nem foi por consciência ecológica. Muito menos por cálculo estrutural. Foi por economia. Era ou um Cadeado em euros, ou uma Torta Sacher na schwarzstrasse. Preferi a opção mais calórica. Mas não abri mão da fezinha, deus-me-livre-e-guarde: escolhi um cadeado meio gasto entre os tantos já presos no gradil, e tasquei nossos nomes com caneta permanente por cima.

Evitei peso extra na ponte e metal no rio, veja que inspiração.


Se vai dar certo como mandinga, não sei. Mas está lá. Até que outro espertinho risque por cima. Ou que algum juillard austríaco, com frieza burocrática, ordene arrancar.

Um comentário:

  1. O que será que será do homem e suas metáforas invasivas? Aquela inspiração que nos ocorre e nos faz criar o excepcional e liderar uma corrente sem fim de seguidores precisa não prejudicar ou agredir alguém ou alguma coisa em algum lugar! É o politicamente correto. É o ecológico. É o social. Ocorre que não pensamos na corrente de seguidores, nem em prejudicar ou agredir ninguém ou nada. Apenas nos expressamos e queríamos ficar por isso. Fomos invasivos, metaforicamente falando, concordo! Mas uma ave só não estava fazendo o verão nem incomodando os Juillard da vida. Foi o que ocorreu com quem colocou o primeiro cadeado. Pobre apaixonado! Certa vez, escrevi na parte de trás da porta da sala de aula de uma moça a quem eu amava: 'Dora, quando essa porta se fechar, todos saberão que eu te amo'. Foi um furor na sala! Foi o meu cadeado! Ninguém me imitou, nenhuma professora Juillard mandou apagar. Ana morreu num acidente. Eu voltei na sala outro dia desses, quase quinze anos depois. Ainda está escrito lá. Beijosssssssss

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