Bruno
Juillard bateu de punho cerrado sobre mesa e acabou com a brincadeira: “é o fim
dos cadeados!”, ordenou. “Estragam a estética da ponte, são estruturalmente
ruins e podem causar acidentes”, foram as razões definitivas.
Então seguirá
arrancando a fórceps (leia-se, a guindaste) as quarenta e cinco toneladas de
juras de amor da Pont des Arts de Paris.
Sabemos que o
Amor não precisa disso. Nem de emblema, nem de amarras (muito menos). O amor,
aliás, é leve e movediço. Antes flana sobre o Sena, em vez de ficar ali aprisionado em
metal pesado.
Se eu fosse escolher alguma imagem como símbolo, seria a do Amor
tomando um café com crème brûlée numa esquina qualquer de Paris, com um galouise
sem filtro bem tragado depois – a fumaça espargindo aquele delicioso aroma de romance
sobre o rio. Assim etéreo. Assim sentimental. E olha que eu nem fumo.
O fato é que
o Ser Humano (esse sim) necessita de símbolos concretos. Vale tudo: figa, crucifixo,
fitinha do senhor do bom fim. Quem não? E
somos adeptos a rituais. Toc, toc, toc. Ajoelhar e benzer-se. Pular sete ondas.
Quem nunca?
Daí, Monsieur
Juillard, que a questão não é assim tão só matemática. Tão só engenharia civil,
entende? Precisamos materializar nossos sonhos e desejos através de metáforas criativas.
E não dá pra
negar que as possibilidades estão reduzindo nesse mundo tão politicamente
correto. Olha só: não se pode mais entalhar as árvores com o clássico coração,
flecha e iniciais dentro (o Ipê, a Imbuia e o Jacarandá estão ambientalmente protegidos).
Tatuar no peito o nome do ser amado fica bem difícil de apagar depois (... e que
o amor é efêmero, bem, até os apaixonados
desconfiam). Já aquela clássica oferenda da vela, pimenta, óleo de pitanga, arruda,
sal grosso, mel, carvão e rosas vermelhas é meio trabalhosa - e se incluir galinha
morta, então, a lei pega.
Assim, o
artifício de selar as juras de amor com um cadeado sobre a ponte e jogar a
chave no rio, parecia bem interessante – “não é o que os peixinhos dizem”, alguém
alegará. E Juillard ainda acrescentará o pesado argumento da carga.
Está difícil ser
romântico e correto ao mesmo tempo.
Assim, antes
que sejamos consumidos pelo vazio
metafísico nesse mundo já quase sem Deus, deixo aqui minha ideia de “cadeados
reaproveitáveis”. Usei a estratégia numa ponte em Salzburg. E nem foi por consciência
ecológica. Muito menos por cálculo estrutural. Foi por economia. Era ou um Cadeado
em euros, ou uma Torta Sacher na schwarzstrasse. Preferi a opção mais calórica.
Mas não abri mão da fezinha, deus-me-livre-e-guarde: escolhi um cadeado meio
gasto entre os tantos já presos no gradil, e tasquei nossos nomes com caneta
permanente por cima.
Se vai dar
certo como mandinga, não sei. Mas está lá. Até que outro espertinho risque por
cima. Ou que algum juillard austríaco, com frieza burocrática, ordene arrancar.
O que será que será do homem e suas metáforas invasivas? Aquela inspiração que nos ocorre e nos faz criar o excepcional e liderar uma corrente sem fim de seguidores precisa não prejudicar ou agredir alguém ou alguma coisa em algum lugar! É o politicamente correto. É o ecológico. É o social. Ocorre que não pensamos na corrente de seguidores, nem em prejudicar ou agredir ninguém ou nada. Apenas nos expressamos e queríamos ficar por isso. Fomos invasivos, metaforicamente falando, concordo! Mas uma ave só não estava fazendo o verão nem incomodando os Juillard da vida. Foi o que ocorreu com quem colocou o primeiro cadeado. Pobre apaixonado! Certa vez, escrevi na parte de trás da porta da sala de aula de uma moça a quem eu amava: 'Dora, quando essa porta se fechar, todos saberão que eu te amo'. Foi um furor na sala! Foi o meu cadeado! Ninguém me imitou, nenhuma professora Juillard mandou apagar. Ana morreu num acidente. Eu voltei na sala outro dia desses, quase quinze anos depois. Ainda está escrito lá. Beijosssssssss
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