25/09/2015

CURTIR OU NÃO CURTIR - EIS A QUESTÃO



Quem diria, um dedão. Um dedão gerando tanto alvoroço.

Mark Zuckerberg revelou que já está em teste sua nova e poderosa criação: o botão da rejeição. E nem se trata de um chão falso que se abrirá pra abduzir as pessoas indesejáveis através de um click. Talvez um dia. Por enquanto é só o novo ícone “não curti” para as postagens no Facebook - em oposição ao famoso dedão positivo. O assunto tá fervendo. Já tem abaixo-assinado para o sim e para o não.

Dá pra entender a polêmica. Numa época em que criticamos tudo (desde o shortinho nas universidades até o consumo do glúten), em que julgamos a todos (desde Gisele Bündchen até o Papa Francisco), em que nos arvoramos como árbitros do Universo e fiscais do comportamento alheio, esse tal botão de “não curti” pode virar uma poderosa arma bélica, metralhadora de aversões.

Seria uma pena. Talvez o que as pessoas mais gostem na Facebooklândia seja justamente a sua razoável neutralidade: um território onde todos desfilam suas alegrias sem medo de ouvir a buzinada do Chacrinha. A inexistência de um ícone “não curti” de certa forma assegura a paz nesse feliz mundo mágico virtual.

Por outro lado, a liberdade de expressão é sempre bem-vinda. Se a desaprovação é tão legítima quanto à aprovação, por que então dificultá-la? Não curtir também faz parte do jogo da vida, ora - viva a verdade! Depois, vamos convir: é muito redutor ter apenas um símbolo para expressar emoções tão diferentes. Olhe que situação esdrúxula curtir fatos tristes, como a morte de alguém. Usa-se porque é o único botão que se tem pra dizer “tô aqui”, “tô sabendo”, “tamojunto”.

Por fim, sabe-se que o “like” é um mecanismo criado originalmente com o objetivo de medir e mapear interesses dos usuários, sobretudo para fins comerciais. Talvez o Facebook também esteja interessado no nosso desgosto para a precisão dos seus mapas.

Ainda não sei ao certo meu voto sobre a novidade. Fico imaginando o estrago que a rejeição poderia causar na autoestima mais vulnerável. A mocinha se capricha toda e posta aquele selfie que pensa ser arrasador. Daí vem os espíritos de porco e jogam um balde de não curti, daqueles bem frios. Pra quê? Aqui vale o lema: se não consegue ajudar, pelo menos não atrapalhe.

Nessas horas costumo pender para o viés mais puro, bondoso e prático: Se curtiu, apoia. Se não curtiu, tudo bem - poupe seu like, mas fique quieto. De hostilidade e negativismo o mundo já anda saturado.

Por fim, acredito no poder dos fluidos: energia ruim volta ao emissário, encalha, abate. Já a energia boa prospera, constrói, contagia. O like é como o amor - uma expressão que merece circular para multiplicar.

Vai dizer: tudo fica mais azul com os dedões pra cima.
Curte aí!


17/09/2015

COMO SE A VIDA FOSSE



Minha enteada chegou hoje do colégio com vários sentimentos colorindo os olhos – como se a vida fosse assim uma aquarela psicodélica de emoções. (E não é?)

Contou que a escola ofereceu uma programação especial para festejar os últimos “100 dias” das turmas prestes a se formar no Ensino Médio. Como se a vida fosse assim uma celebração. E é!

Ela e seus colegas foram recebidos no Refeitório para um café da manhã junto a funcionários e professores em clima animado – como se a vida fosse assim um grande encontro. E é!

Depois foram levados ao Jardim de Infância (ambiente em que muitos deles cresceram) onde então se divertiram com os pequeninhos do maternal - cantando, dançando, soltando bolhas de sabão - como se a vida fosse assim uma recreação. E é!

Logo após, assistiram a uma homenagem das crianças do 1º ano do Ensino Fundamental. Cada pequeno entregou a um formando o “último caderno” (em retribuição ao ritual inverso que ocorre todo início de ano: alunos grandes entregam aos iniciantes o “primeiro caderno”) – como se a vida fosse assim uma eterna troca. E é!

Daí teve cantoria, fotos, hino da escola, abraços, risadas. Como se a vida fosse assim um longo recreio. E é!

Para terminar a manhã, houve a entrega de cartas dos pais: cada aluno recebeu sua mensagem especial. Uma choradeira só. Como se a vida fosse assim pura comoção. E é!

Então minha enteada terminou seu relato. Olhei bem nos seus olhos. Tinha todas as cores: um vermelho alegre por concluir etapa tão significativa (afinal, passa-se mais de década frequentando a escola diariamente). Também um roxo triste e saudoso pelo que ficará (todo final envolve perdas). Um verde entusiasmado com o que está por vir (o futuro promete). Um azul sublime de insegurança frente ao desconhecido (incógnitas flutuam no ar). Um amarelo esperançoso pelo novo dia que amanhecerá (aconteça o que acontecer, o sol sempre brilhará).

...Como se a vida fosse assim uma aquarela psicodélica de emoções. (E não é?)


11/09/2015

COMO A AURORA PRECURSORA


 













Quem não viu nosso Gaúcho Laçador com sua prancha de surf sob o braço, pedindo carona para a praia de Cidreira ontem pela manhã, é porque não acordou cedo.

Nesse frio de ranguear cusco, o guasca levantou com as galinhas, preparou seu mate, picou o fumo de corda, ordenhou a vaca e antes das seis da matina já tava devidamente pilchado pra se lançar nas ondas da ironia fina. E sem essa de roupa de neoprene. Ele ia de tirador e guaiaca, que é assim que se defende o taura macho, chê.

Foi a fiscalização da EPTC que melou a banda do coitado. Pra essas coisas o serviço é rápido. Arrancaram sem dó a planonda do vivente. O Coordenador da Memória Cultural da Secretaria de Cultura de Porto Alegre viu o ato como uma intervenção urbana pacífica - entendeu bem. Já o Prefeito, com menos espírito esportivo, não gostou, lamentando o risco de danificar o monumento. Ok, cada um no seu papel. 

Mas antes que você também ponha em riste seu dedo julgador, saiba que a prancha era de isopor e a manobra foi cuidadosamente engendrada por gente atenta e responsável – o pessoal do Surfari - que vive, respira e ama o que faz. Meu filho estava na equipe. Eu não sabia. Nem sempre se sabe o que os filhos fazem na rua durante a madrugada. Mas festejo que entre tantas opções desprezíveis, o meu esteja comprometido com a arte, a atitude, a alegria. Ainda que de forma assim subversiva.  

Os líderes da ação, Duda Linhares e Lucas Zuch, depois de pedirem desculpas ao Prefeito, explicaram: a ideia era aproveitar o espírito da Semana Farroupilha para enfatizar a pluralidade da cultura gaúcha e divulgar a curiosa modalidade de “Surfe Criollo”, em que o surfista é puxado por um cavalo à beira de um açude (veja aqui:  http://www.surfari.me/el-surf-criollo/).

Com isso eles também salientaram a interessante paridade entre o ginete e o surfista (ambos estão em contato com a natureza e em superfícies instáveis) e entre o campo e o mar (a linha do horizonte, a plenitude, a noção de grandeza – dão ao homem o seu devido tamanho e uma lição de humildade todo dia). E por fim, os rapazes confessaram sua felicidade: em meio a tantas notícias ruins, o monumento do Laçador Surfista fez muita gente dar risada.

Tamojunto, bagual!    

Não que eu seja praticante ou super fã do surf. Admiro-o como esporte e respeito a filosofia que o embala: a liberdade, o respeito à natureza, o equilíbrio, a fraternidade.  Minha ligação com o surf vai até aí, na rebentação. Mas prezo a liberdade acima de tudo, sobretudo a de expressão. Por isso estou aplaudindo com pés e mãos essa intervenção cultural tão criativa e irreverente.

Digo e repito: desconfio que por trás de movimentos de rebeldia há sempre uma ânsia revolucionária de paz. Então ‘mostremos valor, constância / nesta ímpia e injusta guerra’ e que ‘sirvam nossas façanhas / de modelo a toda terra’.

Mas bah.     



09/09/2015

QUANTO VOCÊ DARIA?



O marido irrompe meu escritório no meio da tarde de hoje e abre correndo a tela do computador ao lado, como se estivesse sendo transmitida ao vivo a assinatura de um tratado de paz no oriente médio. 

Cutuca-me para assistir, ansioso. Espio de canto. Um sujeito grisalho e sorridente fala em inglês mostrando – ao que parece - umas gracinhas tecnológicas. “Humpf”, penso. Não dou bola e num segundo volto meu foco para o trabalho novamente. “Homens”, concluo.

Ele inconformado com minha indiferença, brada em tom alarmista: “sabe quantas pessoas no mundo dariam tudo para presenciar este evento agora?!?” Resolvi espichar o olho com um pouco mais de paciência. Era a apresentação mundial do novo iPad da Apple. Fino como folha de papel. Rápido como a luz. Grande como a tela de cinema. Leve como a pena. Utilitário como o bombril.  

A cada novidade anunciada, o grisalho sorridente (que a essas alturas já havia ganho o nome de Tim Cook e o cargo de Presidente executivo da Apple), é interrompido pela plateia com gritos e aplausos entusiasmados, como se fosse Martin Luther King naquele discurso profético pelos direitos civis em Washington. “I have a dream..”    

Ok, se você (como eu) é desses que está atento a outras coisas e não se derrete pelas novidades tecnológicas, saiba mais: o novo iPadPro é 80% mais rápido do que os PCs portáteis. Sua tela tem 12,9 polegadas de tamanho contra as 9,7 da versão anterior. 10 horas de bateria. Quatro autofalantes. O tablet interage com uma caneta stylus que permite desenhar, escrever e pintar sobre a tela, com diferentes espessuras de traço. E dá pra rabiscar e usar os dedos simultaneamente.

Ahn? Nem se abalou? Então ouça isso e veja se resiste: por US$ 799 a US$ 1079 você leva a gracinha pra casa. Com mais US$ 99 terá também a caneta mágica. Vendas a partir de novembro. Tem gente entrando na fila agora com uma cadeirinha de pescador dobrável e um saco de dormir.

Não suspirou ainda? Prepare-se, então: o novo tablet vem com teclado virtual e físico e o modelo 128 GB tem conexão celular 4G!!! Aham! Agora sim, resolveu quase todos os problemas, não?  

Por fim, tchan tchan tchan: Tim Cook firmou acordo para integrar o pacote Office ao novo iPadPro! Já pensou? Word, Excel, Photoshop, Powerpoint – a produtividade máxima da Microsoft agora na Apple! Então? Nem um tratado pela paz no oriente médio parece tão incrível.

Nada? (Nem um óóóh...? )

Você sabe quantas pessoas dariam tudo por um troço desses?!?!? 



05/09/2015

NANA, NENÊ


Sshhhh, pronto, pronto, pronto. Agora vamos deixar o pequeno Aylan Kurdi dormir o sono dos anjos, num bercinho mais digno do que a areia dura e fria do Mediterrâneo.

Vamos guardá-lo na memória como símbolo angelical de uma absurda necessidade. Vamos. Precisamos niná-lo com bons pensamentos e sonhar com dias melhores. Porque outros refugiados virão.

Vamos torcer por mais corvetas como a da Marinha brasileira, que ontem resgatou 220 imigrantes perto do mar da Sicília, meio que por acaso. (Ou nada é por acaso?).

Vamos rezar por uma Europa (afinal tão experiente com o desespero da guerra) abrindo suas portas para os vizinhos.

Vamos festejar o plano do multimilionário egípcio Naguib Sawiris de comprar ilhas da Grécia e Itália para acomodar milhares de outras crianças que com suas famílias construirão uma nova vida em segurança e paz.

Vamos, imaginemos como Lennon: “It isn't hard to do /Nothing to kill or die for /And no religion too/ Imagine all the people /Living life in peace”.

Celebremos nas palavras da jovem poeta Carine Morais a crença de que todo anjo tem sua missão: “(...) Nadar e morrer na praia / era antes um dilema /passou a ter um rosto/ ou muitas faces refugiadas/ seus sapatos ainda nos pés/ calçavam a aparência/ de um pequeno anjo, / silenciado, / para que o mundo inteiro/ o pudesse ouvir”.

Vamos alimentar a fé de que aquele corpinho indefeso plantado no limite entre a areia e o mar era um verdadeiro divisor de águas entre a consciência e a solução.

Sshhhh... Agora vamos fazer silêncio que o menino Aylan precisa descansar.

Vá, anjinho colorido, siga agora com nossa mudez dolorida e com a necessária esperança de que nada, nada, nada acontece em vão.