E viveram felizes para sempre. No pântano. The end.
Poderia ter sido assim o final feliz do casamento de Denise Flores e Marcelo Basso, mas foi uma polêmica só. Levaram advertência da Igreja Católica, saíram como noticia na mídia internacional, tiveram que conceder entrevista no meio da lua de mel. Esse casamento já começou um inferno. Mas desconfio que a confusão toda não tava prevista no script, mesmo sendo um casamento assim, do tipo dreamworks animation. Vai ver só o que faltou foi Andrew Adamson para dirigir melhor a cena, que o espetáculo não era de todo mal, que tinha um recado profundo no enredo, ah, tinha.
Indagada sobre os motivos da pitoresca invenção, a noiva explicou mais ou menos assim: Shrek e Fiona, embora sejam ogros e feios, têm coração. Eles encontraram o amor sem preconceitos. São personagens com atitude. Eu sei que não convenceu à maioria, mas eu gostei da resposta e da atitude provocativa do casal. Quem não quer que o casamento seja um conto de fadas? Ser feliz para sempre com seu amor, no pântano, no deserto, nas montanhas, na cidade grande, seja lá onde for? Eis a questão: todos que casam querem a felicidade eterna, mas poucos assumem realmente que a felicidade do casamento é ficção. O amor dá trabalho. Relacionamento dá trabalho. Shrek e Fiona (os do filme) encararam o desafio: diante dos olhos descrentes de todos (a começar pelos seus próprios) entenderam o amor.
Shrek era um ogro ranzinza e solitário por opção. Encontrou-se com Fiona por obrigação, não por escolha. O objetivo não era encontrar o amor, mas salvar o pântano da destruição. A missão que precisava cumprir para tanto era a de libertar a aprisionada Fiona, que na ocasião ainda era linda - uma princesinha! - e ele não gostou, o louco. Esmola demais para o santo. Shrek então seguiu seu propósito original, insensível à possível sedução de Fiona e, na estrada, os dois foram se conhecendo. Lá pelas tantas, literalmente sem querer, Shrek acabou tropeçando no amor e – ops - sentiu a pedra no caminho. Pareciam espécies tão diferentes, mas... surpresa! : apaixonaram-se. Shrek parou para pensar com o coração. Acho que isso não aparece na cena, mas pude vê-lo no filme fazendo contas: o quanto, e mais quanto, e mais quanto, iria ter que se incomodar pelo amor de Fiona. A escolha do amor dá trabalho. Mais que matar dragão. Ele não fez conta sem razão, não. Sabia o que teria pela frente e topou. Apostaram juntos. Lutaram contra adversários ferozes como o preconceito - okei, teve um pouco de dragão de verdade no meio da história, mas não conheço bicho mais assustador do que o preconceito. Venceram. Triunfaram com esforço de verdade, assumindo a decisão de se casar, embora Shrek não fosse propriamente um príncipe.
Voilá! Quer cena mais encantadora? Na vida real, longe de sermos personagens de conto de fadas. Come on, estaríamos mais para ogros do que para príncipes. Mesmo assim, o amor pode reinar. Para tanto é preciso acreditar com consciência. Não numa fantasia, numa idealização, num conto da carochinha, mas na história de verdade. Há que buscar as vantagens dela, driblando os desafios diários. Conto de fada é antes de tudo um conto de fé - é crer num acontecimento do destino e, sobretudo, arregaçar as mangas pela causa.
Eu acho o animée de Shrek-e-Fiona bem mais real como exemplo de casamento do que o Príncipe Charles e a Lady Di (para usar um exemplo realmente real) que, aliás, teve carruagem e tudo. Esses casamentos arranjados, de interesse, não deveriam ser criticados pela Igreja? E os cheios de pompa, como o de Liz Taylor e Larry Fortensky, não mereceriam advertência pelo excesso de glamour? Por que os casamentos na praia, ou no campo, seriam menos sérios? Só pelo fato de não ter o templo como entorno? E o conteúdo, não vale? E a consagração do amor puro, onde fica nesses casos?
Ainda: se esse casamento de março de 2011 tivesse acontecido no século XII, não teria sido um casamento medieval típico? Acho que o ritual escolhido pela cabeleireira e o empresário para a celebração do casamento foi também um santo recado para a igreja, para que regulamente com clareza a forma que exige à cerimônia religiosa do casamento, visto que repreendeu a manifestação atípica do casal, considerando-a “constrangedora”. Não vale deixar a questão para o bom senso num mundo de movimentos tão espontâneos e livres. Se há punição ou repressão, tem que haver regras a propósito. Fico perdida: Bispo vestir túnica com estola e Papa usar casula bordada a ouro e capacete enorme e esquisito, pode? Um pretinho básico atenderia melhor a simplicidade recomendada à vestimenta.
Sei que quando entra religião no assunto tudo fica mais complicado, preso a dogmas e, por que não, condicionado a pré-conceitos. Eu respeito, ou melhor, entendo. Talvez seja mais fácil para mim, que sou laica, pensar que minha religião é o Amor e achar que Deus quer apenas que sejamos felizes. Que não importa como, onde, muito menos o que estaremos vestindo nos momentos de felicidade. Soa-me mais natural pensar como Shirley Maclaine aceitando que “sou feliz várias vezes ao dia”. Felicidade pra mim é isso: é o prazer que encontramos aqui e ali; é a paz de saber que estamos quites com nossos propósitos; é a liberdade das escolhas.
De qualquer forma, ou - vá lá - de forma estranha, Denise e Marcelo se escolheram e escolheram celebrar o casamento. Assumiram o amor e suas conseqüências. Capricharam no capricho: convenceram padrinhos, pajens, convidados e até o Padre a aceitarem sua vontade de encenar os personagens de um filme de Hollywood. Todos entraram em cena. Foi inédito, foi lindo. E nem era num reino Tão Tão Distante. Era ali em Garibaldi. Pode não ter dado bilheteria, nem Oscar, mas deu pano pra manga -bufante.