17/04/2013

CHACOALHANDO NA WEB



Harlem Shake é o vídeo viral do momento. O “meme” da internet, febre mundial, xodó do youtube, pauta de sociólogos antenados, dor de cabeça de diretores de universidades e... motivo de seis demissões no Poder Judiciário de Novo Hamburgo nesta semana.

Para você que, como eu, chega atrasado nos “assuntos da hora”, explico como funciona a novidade: uma galera se junta rapidamente para filmar um videoclipe inusitado, do tipo bizarro – a cena começa com uma única criatura dançando hip hop num cenário onde todas as outras pessoas estão absolutamente concentradas nos seus afazeres (imagine um escritório, uma sala de aula, uma repartição pública). Aquele ser dançante parece um alienígena fora do contexto, aparentemente sem ser percebido pelos demais. De repente, ao comando de “Do the harlem shake!”, a cena muda radicalmente e todos naquele local aparecem fantasiados, chacoalhando o corpo freneticamente, de preferência sobre as mesas, ou pendurados no lustre, dentro dos armários, jogados no chão. E este é o enredo do vídeo. The end.
- De tão patético, acaba ficando engraçado.

Até aí tudo bem. Acontece que a moda pegou forte e a galera anda filmando isso em cenários “politicamente incorretos” (tipo quartel militar, gabinete do fórum, ...), o que tem rendido punições severas.

Confesso que só soube da coisa porque minha filha sofreu suspensão coletiva na escola, quando a turma filmou o troço na sala de aula e publicou na internet. Para poder me posicionar, fui tomar pé do assunto (sempre desconfio que por trás de movimentos subversivos há sempre uma ânsia revolucionária de paz).

É fácil hastearmos o discurso moralista da transgressão juvenil, do desrespeito ao ofício, aquele papo do “trabalho que é bom, nada”, e blá blá blá. Mas também podemos ver com outros olhos: os trinta segundos de vídeo tomam menos tempo que um cigarrinho no meio do expediente. E ainda rende uma descontração saudável em grupo que pode resultar num melhor ambiente de trabalho. Cumplicidade entrosa.

Ok, também sou contra excessos (vale para tudo: sal, álcool, sol). Não gosto de dança obscena nem no Harlem Shake nem no Funk do Morro. E é claro que dá para poupar filmagens no saguão do vaticano, né? Mas se a brincadeira é feita com equilíbrio, sem agressões, pode ser interessantemente criativa - tem Harlem Shake filmado até em baixo d’água – haja produção. Meu filho conta que nos EUA seus professores da high school fizeram um Harlem Shake em homenagem aos formandos. Ninguém foi demitido; aplaudiram de pé.

Há sociólogos relacionando a moda ao “urban playground movement” - grupos em busca de descontração nos locais públicos, em protesto à inércia e ao sedentarismo. Alguns referem caráter político e outros apenas lembram a natural vocação humana para manifestações populares provocativas.

Acho que o poder da mobilização social é algo que deve ser respeitado sempre. E, claro, compreendido no âmbito de suas ferramentas tecnológicas. Tivessem os mencheviques um twitter para angariar mais apoio e a história seria outra. Por outro lado, em maio de 68 os grevistas franceses sacudiram os valores da “velha sociedade” sem internet nem nada. Real shake.

Certo que o tal Harlem Shake é mais um destes impressionantes fenômenos da internet, que faz um fato banal virar febre planetária em poucas horas, reverberando através de milhões de acessos.

Mas – ôpa! – eis que ainda há pessoas por trás dos cliques e das ações. Então questionemos por que um determinado fato repercute tanto. Há algo aí que toca no ponto G do psiquê humano, pode crer. Estejamos atentos para observar não só as ferramentas, mas seus pilotos: o que os empolga? O que os une? O que os mobiliza?

Os instrumentos mudaram, mas vai ver a busca humana continua a mesma. Vai ver.

06/04/2013

Socorrooooo!

Se existe receita pra tirar chiclete de tecido, curar dor de guampa, espantar mau olhado, ... ora, deveria haver uma solução simples para os incômodos spams – penso eu. Só que não consigo exterminá-los da minha vida. Pior que formiga no verão.


Depois de muito bufar, fui à luta: passei a adicionar os e-mails invasores um por um à lista de remetentes bloqueados, achando que assim controlaria a praga "no muque", mas a multiplicação em massa é tão mais rápida, que logo desisti – me senti o próprio Jaspion duelando contra o monstro que cria três novas cabeças a cada espadada, socorro.


Pois agora acabo de ler o anúncio do CGI.br: o Brasil saiu da lista dos dez países que mais enviam spam por e-mail no mundo! \o/  A notícia ainda não chegou na realidade da minha caixa de entrada, onde seguem brotando e-mails com oferta relâmpago de cinta modeladora, remédio para calvície, caneta espiã, viagra, colchão científico a preço de custo, dicas infalíveis para o bem estar, vassoura elétrica e maravilhosas importações xingui lingui.


Diz o jornal que a coisa vai melhorar a partir do bloqueio da tal Porta 25, um dos canais por onde saem as mensagens sem autenticação do servidor. Por mim poderiam trancafiar todas as portas, vedar, blindar contra fogo, aplicar veneno nas aberturas - vá que spams passem pelas frestas.


Não basta o tempo que perdemos checando o que realmente importa, também temos que ser leões de chácara do nosso próprio território, faxinar o lixo virtual antes que se alastre e tome conta da máquina, do mundo, isso não é o fim?


Sei (pelas propagandas que recebo via spam) que o envio de 50.000 e-mails representa para o anunciante menos de 1 centavo por cliente atingido, bem mais barato e rápido do que qualquer panfleto. Com a diferença que o internauta não pode recusá-lo, como faz o passante.


Pelamordedeus! Eu juro que não estou precisando limpar meu nome no serasa nem parar de fumar em dez lições. Não quero comprar boneca little children, pneus para motos, duas cafeterias pelo preço arrasador de R$599,80, obrigada, não desejo falar com o chefe do Zezinho, nem recorrer de multas de trânsito, e, definitivamente: não quero aumentar o tamanho do meu pênis em até 30%!!!


Eu só queria um spamnador.


Engraçado é que não entra propaganda de spamnador.



12/03/2013

Yes ou Si ?

Tem pergunta que não se faz. Tipo o clássico dilema “ou ela, ou eu” - qualquer pessoa com o mínimo de cautela evita a franca encruzilhada. Vá que.

Pois não é que neste domingo um referendo público indagou aos 1.672 eleitores das Ilhas Malvinas se prefeririam ser ingleses ou argentinos??? (Lembrei o programa Silvio Santos: a pessoa de dentro de uma cabine, sem escutar a pergunta, tinha que decidir com um simples “sim” ou “não” se sairia de lá proprietária de uma casa de três quartos, ou de um maravilhoso tênis montreal antimicrobiel).

No caso do Referendo de Falklands, porém, as pessoas não corriam o risco da aposta. Sabiam exatamente o que estava sendo perguntado. E 98,8% dos eleitores responderam desejar que as ilhas permanecessem como território do Reino Unido. (Os 1,2%, - suponho - havia esquecido os óculos em casa no dia da votação).

Outra vez na história a Argentina deu a cara à tapa para a Inglaterra. Eu era criança quando estourou a Guerra das Malvinas, mas lembro de ter me interessado em entender por que uma ilhazinha tão sem graça mobilizava submarinos nucleares e mísseis exocet. Foi simples analogia: coloque um monte de chocolate (o equivalente a petróleo, no reino infantil) dentro da casinha do cachorro e ela será o local mais disputado pelas crianças da cidade. A coisa da posição estratégica militar foi um pouco mais complexa: você prefere atirar de bodoque de cima de uma árvore ou lá do outro lado do mundo? Enfim, para tudo há uma comparação palatável. O fato é que bastaram algumas bombas para Margareth Thatcher mostrar os dentes no contra-ataque e deixar claro seu poder de barganha. E não se falou mais nisso.

Agora o povo do arquipélago, trinta anos depois, confirma nas urnas a acachapante supremacia da popularidade inglesa. For God’s sake, tem coisa que não se pergunta.

Só que o conclave no Vaticano vem com mais uma agora: “É Don Odilo Scherer ou Angelo Scola?” Afemaria!...

08/03/2013

Paradoxxo




PARADO XX O

Que mulher somos?
Um dia certo no mês de março
e um ano todo para cuidar dos nossos olhos
filhos, afetos, trabalhos e desmaios
ao longo do calendário

Que mulher nos resta de brinde
ou contingência
ou garantia
ou ganância

- A que abraça o mundo ou a de mãos atadas?

malabarista, puritana, ativista
submissa, madame, mundana
cansada
erudita, cibernética, espiritual,
simples fêmea no cio

O que aceitamos, afinal,
- whisky sem gelo ou chá de jasmim?

Que mulher somos?!?

Vivemos paradoxo insano:

um animal de ponta cabeça
que lambe feridas
e revira lixo

com DNA maiúsculo de bicho
e um H pra lá de humano.

 

24/02/2013

GRE-NAL DE OLHARES




Aposto que poucos torcedores masculinos perceberam o clássico jogo de camisas no gramado, porque homem veste a camiseta do seu time e durante os noventa minutos só olha para pernas, no caso, as que estão com a bola.

Mas garanto que as mulheres captaram de cara as vaidades: a camisa de Vanderlei Luxemburgo, mais uma dessas moderninhas, de textura diferenciada, que ele costuma comprar na descolada Spirito Santo. E, do lado adversário, é claro, a camisa de Dunga, ultimamente mais discreta do que o habitual, tecido trabalhado branco no branco, mas de colarinho duro, sempre discutível adequação para a beira de um campo. O primeiro vestia calça jeans slim fit, cuidadosamente esfarrapada. O segundo, desde o pito da CBF, largou de mão o gênero “Agostinho Fashion Week” e adotou estilo discreto e cores neutras, também para as calças de alfaiataria. Tudo muito bem observado pelas mulheres. E... onde estava o olhar dos homens nessa hora?

Eis a questão: homens e mulheres já frequentam gramados de futebol em igualdade de condições; daqui a pouco talvez também em igual quantidade, mas o olhar, ah, o olhar será sempre desigual.

Homens e mulheres têm visões diferentes sobre a vida, não seria outra a realidade do futebol, seja no estádio ou na telinha. É uma questão de foco.

Enquanto as mulheres olham consternadas para o garoto atingido pelo rojão, lançando-lhe um incontido desejo maternal de salvação, os homens miram seu olhar fulminante para o outro lado: buscam, na multidão da torcida, de onde veio o disparo, captam o agressor, declaram guerra aos gladiadores. Homem é luta, caça, extermínio. Mulher é proteção, amparo, é quem cuida das feridas.

Masculino e feminino serão diferentes ainda que no mesmo time.

12/02/2013

Escolta inflexível no Carnaval




Eu gostaria que fossem mulatas, mas são muletas, minhas companheiras de carnaval. Azuis, de tão retintas. Duras, frias, disciplinadas. Elas não sambam - tão mais pra soldados ingleses do que pra rainhas de bateria. Sua missão é garantir meu equilíbrio, minha segurança, sem muito papo. Decidiram que assistir aos desfiles de carnaval pela TV, sentada no sofá, já estaria bastante arriscado pra mim. E vetaram a caipirinha, olha só. Pelo menos me deixaram dormir tarde.



Assistimos na telinha a todos os desfiles. Elas ali, de sentinela.

Pode ser impressão minha, mas achei que o carnaval está mais hightech do que nunca. Painéis gigantes de led, chãos de estrela, vestidos que piscam-piscam-e-trocam-de-cor, edifícios-alegóricos. Só faltava a bateria não ser mais acústica. Tudo tão pós-moderno... Se o príncipe Charles volta ao Rio aposto que perde seu rebolado.



Sem poder sair do lugar, vi até os desfiles gaúchos. Já desfilei no sambódromo de Porto Alegre (e também na Sapucaí), então pude perceber a evolução do carnaval do sul este ano: os grandes animais dos carros alegóricos até já abrem e fecham a boca. As baianas são cariocas. E teve uma escola que recrutou dezenas de romanos para desfilar numa ala. Investimento pesado. Tava lindo, tchê. Agora é só regularizar essa imigração toda.



Não me impressionei com as fantasias, invejei foi os bumbuns. Esses também estão mais tecnológicos: zero celulite, zero caimento (dez, nota dez, na evolução) - deve ser coisa de novos hormônios lançados por aí. Fiquei pensando civicamente: todas nós, brasileiras, deveríamos ter direito, na cesta básica, a um bumbum de passista. Vou escrever pra Dilma.


Sabe o que? Percebi um quesito que não acompanhou a evolução dos tempos: a encenação do mestre-sala com a porta-bandeira. Cortejo é coisa de antigamente, nas minha contas. Contudo, não é que aquele homem segue ali rodopiando a moça, rodopiando, flertando-a incansavelmente na avenida, e ela se fazendo? Sim, vira a cara para o galanteador como se estivesse nos anos trinta com um leque na mão. Ora, para ser mais atual, a Porta-Bandeira deveria se atirar no colo do Mestre antes mesmo de começar o desfile, lá na concentração. Vou escrever pro Carlinhos de Jesus.


06/02/2013

DELIRANDO...

Quem diz que o cão é o melhor amigo do Homem é porque não conheceu a morfina.

Essa sim merece fidelidade, cafuné, lugar eterno ao pé da cama. Morfina até combina com nome de gato fêmea, não? Eu batizaria Tramadol um belo cão de companhia. Ora, não há melhor amigo do que um analgésico na hora certa.

Vivi alguns (gloriosos) dias de dependência química e concluí. Sabe quando respirar dói, comer dói, pensar dói, sabe quando a dor tira a vontade de viver? Não foi o que passei. Nem de longe. Mas foi a reflexão que me ocorreu nesses dias em que pude rapidamente aliviar a dor de um pós-operatório com simples doses bem prescritas.

E nesta hora eu pensava em quanta gente agoniza em situações inimagináveis de dor, sofrimento desesperador. Queimados, mutilados, transplantados, fraturados, pacientes terminais, padecimento que nem a fé consegue aliviar. Aí vem a Morfina e permite aquele momento -ainda que provisório- de uaaaahhhh... descanso. Diria até de dignidade existencial. Um oásis. Uma trégua na desgraça.

É quase feitiço: a pessoa dá um pulinho ali no céu, deita confortavelmente sobre um colchão de nuvem e respira aliviada, suspira, fala bobagem, sorri sem explicação, enfim, um providencial delírio. Dá até coragem de descer e viver de novo.

Pois então. A morfina tem o poder de transformar, de inverter radicalmente as expectativas. Renova a identidade perdida, resgata a esperança. É um salvamento heroico do ser. Num passe de mágica o sujeito pula do pesadelo para o sono onírico. Quer milagre maior?

Não é a toa que a papoula era tida pelos gregos como “a planta da alegria”- o Homem já conhecia seus efeitos hipnóticos e euforizantes há mais de seis mil anos.

Não estou incentivando o uso de drogas alucinógenas, óbvio. No meu caso, até virei chacota de hospital: dizem que na maca eu encomendava repetidamente aos cirurgiões um capricho tal que resultasse “a perna do Messi por dentro e a da Gisele Bundchen por fora”, o melhor dos dois mundos. A piada foi que entenderam o contrário, e acabei com três cortes em vez dos dois combinados. E daqui a oito meses descobrirei que estou jogando bola como uma modelo. Que delírio!

Mas nesta semana em que andei rodeada de amigos químicos, fiquei feliz ao constatar mais uma vez que na vida todo desconforto tem sua compensação.