31/07/2015

FORMIGAS TAMBÉM VOAM



Run and tell all of the angels that everything is alright.(...)
Make my way back home when I learn to fly high"
(Learn To Fly - Foo Fighters)





   Adoro protestos pacíficos e criativos (quem não?), mas esse surpreendeu pela delicadeza da operação, que foi gigante. Pense gigante. A inusitada ação ‘Rockin1000’ reuniu gratuitamente mil músicos fãs do grupo Foo Fighters para tocarem ao mesmo tempo Learn To Fly, como forma de reivindicar um show da banda americana na pequena cidade italiana de Cesena (algo do tamanho da nossa Erechim) - obviamente jamais incluída no mapa de espetáculos deste consagrado fenômeno do rock alternativo.


Foi um gesto tão delicado e gigante quanto uma formiga apaixonada oferecer um buquê de mil lírios a um célebre elefante.

O resultado foi bem mais do que um cativante apelo. Foi um afinado encontro de sonhadores, efervescente e emocionante, que já conta com mais de oito milhões de acessos no youtube. Você pode acrescentar o seu e conferir o vídeo aqui:   https://www.youtube.com/watch?v=JozAmXo2bDE

Era um protesto. Poderiam fazê-lo atirando pedra em janelas, ateando fogo em ônibus, parando de trabalhar. Preferiram o poder da música: guitarra, baixo, bateria e voz como ferramentas da insurreição.

Funcionou. “Che bello, Cesena! Nos vemos logo” - respondeu ontem o líder da banda, Dave Grohl, ao receber esse incrível buquê de arte, amor e energia.

O idealizador dessa ousadia entrou imediatamente para minha lista de ídolos, junto de outros fortes como Schwarzenegger e Stallone.

Ele conta que passou mais de ano organizando o plano. Ensaiando passos, angariando voluntários, convencendo incrédulos. Buscando verba com um teaser nas redes sociais “compartilhe, doe e reze por nós”. Em contrapartida oferecia uma camiseta, uma cerveja e uma típica piadina romagnola (o calzone tradicional da região).

E assim, como uma formiguinha maestra, foi orquestrando o levante.

Fabio Zaffagnini é um herói revolucionário. “A Itália não é um país onde os sonhos facilmente se realizam, mas é uma terra de paixão e criatividade” – mandou ele. Paixão e criatividade. Eis o açúcar que o movia.

“Acordava toda manhã pensando em como viabilizar o projeto. O que precisamos é de um milagre gigante”, desabafou.

     De centímetro em centímetro, Fábio. Com paixão e delicadeza. Assim trabalham as formigas. Assim elas conquistam o gigante. E assim, milagrosamente, aprendem a voar.   

21/07/2015

O SAMBA DO COLONO DOIDO



Pegamos a estrada para a serra. A ideia era sair da rotina. Comemorar o primeiro fim de semana de férias dos filhos com programa típico do nosso inverno.

Passando o pórtico de Gramado vimos uma família encarangada com casaco, luvas e gorros, tirando foto em frente ao totem que marcava a temperatura: 19 graus. Certo que turistas do nordeste.

Daí pra frente o trajeto foi como mesa de café colonial: salsichão com schimia de morango; um palhaço em perna-de-pau dividindo calçada com a Coelha que distribuía balas de menta coladas em panfletos. O Museu de Cera disputando clientes com o Fondue de Queijo. Cinema 4D e Chocolate Artesanal. Malhas feitas a mão e Mundo a Vapor.

E ali perto, na Aldeia – um alce branco alertava na placa - mora o Papai Noel e sua turma.

Meu filho comentou: “Gramado anda bem randômico, né?” Achei a expressão um tanto sofisticada pra definir aquela muvuca toda. Era pra ser um lugar bucólico, de colonização alemã e italiana. Não uma disneylandia serrana tomada por carros de som convocando para o Harley Motor Show. Onde estão as araucárias? E as hortênsias? E os Quatis? Até o Lago Negro ganhou imponentes chafarizes.

Fiquei preocupada com a falta de coerência cultural na cabeça dos pequenos. Como explicar que ao lado da Cascata do Caracol fica a Montanha Nevada? E que aquele calorão não estragará o plano de patinar no gelo? - Crianças, vamos ao zoológico ver a Onça Pintada em extinção e na sequencia visitaremos os já extintos Dinossauros (que aliás parece que reviveram e invadiram a serra). Socorro.

A cada esquina tem um ponto diferente pra tirar foto bizarra. Como a turma de bruxas com cabeças vazadas para colocar as nossas. Um chimarrão gigante jorrando água. Um búfalo selvagem típico do noroeste canadense em frente à loja de couro. Um cavalo em tamanho real com um gaúcho a pleno galope - ambos empalhados.

“Era pra gente sair da rotina, mas Gramado é que saiu, né?”. De novo meu filho e suas interrogações enigmáticas. Achei o comentário um tanto cabalístico pra definir aquela aberração. Mas seguimos observando. Uma locomotiva de trem caindo para fora de um prédio. Índios apaches. Um museu medieval. Um mini mundo. A cidade toda mais parece uma maquete feita de biscuit.


Bom, a ideia era sair da rotina. Acho que deu certo. Trenó montanhês x Harley Davidson; Mambembes x Mamãe Noel; Coelho da Páscoa x Tiranossauro Rex; a gente só veria em Las Vegas. A preço de euro. E nem teria salsichão com schimia de morango.

10/07/2015

O NOVO CAMINHO DAS ÍNDIAS

Auditório da escola lotado de adolescentes de quatorze a dezesseis anos. 

Lá pelas tantas, o jovem poeta palestrante observa que a novíssima geração de leitores se encanta é com a poesia que cabe no Bloco de Notas do IPhone. Risos cúmplices da plateia.

E que a poesia curta funciona porque... meio que explode uma emoção, tipo assim, soco no estômago.

E ainda: que se a reflexão proposta no poema for despretensiosa e aventureira, então falará direto ao espírito livre da juventude. Ilustrou seu pensamento: enquanto Os Lusíadas apresenta uma viagem poética gigantesca, Paulo Leminski oferece uma rota curta e divertida: “não discuto/ com o destino/ o que pintar/ eu assino”. E é por essa trilha que a garotada vai preferir caminhar.


Hoje Guilherme Becker falou mais como porta-voz de uma geração de leitores do que como escritor. Do alto dos seus 18 anos citou Tumblr, Facebook, Twitter Instagram, como ferramentas básicas de input cultural contínuo. Traduziu o anseio dessa turma que lê simultaneamente cinco mídias no celular enquanto ouve música, dá risada e toma um suco. E olha que Guilherme é uma exceção que, além dessas ferramentas, ainda consome cerca de 70 livros de papel por ano.

É preciso ouvi-los para saber o que efetivamente ouvirão.

Por isso fiquei ali quietinha, fingindo que estava filmando quando, na verdade, aprendia.

Não anotei no bloco de notas porque sou do tempo da cadernetinha. Mas levei pra pensar durante o dia.

Sempre achei a poesia uma arma com a cara da nova geração. Porque se apoia na metáfora, que nada mais é do que uma abreviação, uma imagem aberta ao intérprete. Com pouco, se diz muito. E a mensagem aparece à jato, como eles. Tudo o que o jovem quer é chegar logo. E logo partir pra outra.

Como ouvinte, aprendi que essa gurizada não vai engolir tratado sobre assunto algum. Nem quer amarrar com muita força sua opinião - que, inclusive, poderá mudar dali a cinco passos. O mesmo tempo, aliás, que levarão para ler mais dez ou vinte coisas novas. Nunca se leu tanto.

A diferença é que na época de Camões, era aceitável narrar uma epopeia em 8.016 versos. Havia leitores para tanto. Hoje, ou você dá seu recado em 140 caracteres, ou a plateia digital se esvazia. 

Leminski, em Não Discuto, cuspiu a libertação em dez palavras e abriu passagem. Vamos em frente. Parece que esse atalho é o verdadeiro Caminho das Índias de hoje.

08/07/2015

DA MANDIOCA AO FUTEBOL




 Essa coisa da Dilma com a mandioca não me sai da cabeça.

Desde que a Presidenta garantiu que a Mandioca é nossa, durmo tranquila como se tivesse alguns milhões guardados no cofre. Ou como se eu fosse conselheira da Petrobrás, o que (parece) dá no mesmo.

Sim, porque pense bem: a Mandioca poderia não ser nossa, né? E nesse caso não comeríamos o angu quente pelas beiradas, ora poish.

Ou, vamos lá, pior ainda: poderia a Mandioca a qualquer momento deixar de ser nossa, como quase aconteceu com o Cupuaçu, lembram? Por um tiquinho de nada o Brasil não o perdeu para uma empresa japonesa, que registrou a patente do Cupuaçu como se ele fosse, sei lá, um novo lançamento da Mitsubishi. É preciso lembrar: um tormentoso processo judicial é que assegurou a certidão amazonense do Cupuaçu e evitou que ele crescesse com os olhinhos puxados apesar desse nome de índio tupi tão legítimo.

Fiquei pensando: talvez traumatizada pelo Cupuaçu é que a Presidenta valorizou tanto a “conquista” nacional da Mandioca. Vá saber o que seria feito da Mandioca caso caísse nas mãos erradas.

O passado ensina.

Inclusive, aposto que Dilma, também vacinada com aquela gafe histórica de Ronald Reagan, não perdeu a oportunidade de reforçar a Barack Obama que o Brasil não é a Bolívia, just in case. E de comentar de cantinho que a nossa capital (Brasília, mister President, Brasíííliaaa) vai muito bem obrigada – aliás, melhor que Buenos Aires, a capital brasileira batizada por Bush. Não custa avisar, né? Mancadas acontecem nas melhores famílias presidenciais.

Mas Obama é implacável: em 2011 já havia deixado claro que conhecia Vasco e Botafogo, casualmente os finalistas este ano (que visão, hein?). Então agora enfatizou que os Estados Unidos veem o Brasil não como uma potência regional, mas sim global. Pudera, com tanta Mandioca, Cupuaçu e Futebol...

É uma forma de ver as coisas. O fato é que o comentário não pareceu improviso.
Há drones aos montes na Amazônia. E nos estádios de futebol também. Nem só de e-mails e telefones vive a espionagem, que o diga Edward Snowden.

Mas além de espionagem, esse governo americano tem muito estudo. E um olho atento no campeonato carioca de futebol.


O nosso, parece ter um olho atento no futebol e o outro na conquista da mandioca e (concluo) pouca atenção no estudo. Não custa avisar, afinal, mancadas acontecem nas melhores famílias presidenciais.