Houve o tempo em que eu era um pinguim. O trabalhinho que minha filha fez na escola veio em garatujas, mas parecia sério: “Com que animais sua mãe se parece? Minha mãe é um pinguim porque me abraça gelada; é um tigre porque corre bem; é uma coruja porque me cuida quando durmo.”
Guardei a prova de afeto para quando a pimpolha crescesse e me visse com outros olhos.
O tempo passou e – bingo! - hoje em dia sou um jumento. Às vezes, víbora. Na maioria das ocasiões, típica ameba. Sim, a adolescência chegou à minha casa. Já se adota um dialeto estranho, do tipo “quem mocou meu tênis?” ou “não pilho de jantar agora” e, confesso, eu mesma me pego exclamando “partiu! tô vazando daqui” (comunicação é a lei da selva).
O habitat no domicílio está visivelmente diferente: skates pelo chão, som em altíssimo volume (veja bem, não estou falando de Mozart) e pizza de manhã. Uma selvageria.
Mas eu seria um verdadeiro jumento se achasse que está tudo errado. É a vida. Lembro que aos treze anos troquei a foto dos meus pais no porta-retrato: pus minha adorável hamster Bianca - uma singela atualização nos referenciais de idolatria. Fui além: pendurei pôster dos roqueiros malucos do ACDC na porta de fora do quarto. O mesmo que placa de “Não Entre”, só que ilustrada.
O que mais choca no mundo radical da adolescência é a inversão abrupta dos pais-heróis: o poderoso leão da selva de repente vira um moscão tonto e não há muito a fazer. Adultos não sabem das coisas e não pertencem ao bando. Pior se forem da espécie “pais”.
Não chego a me assustar, sei que a fase passa. Bem verdade que certos dias gostaria de trocar de reino: virar uma bromélia de sombra e ficar disfarçada de vegetal, esperando a adolescência se retirar do recinto.
Admiro a sabedoria da mãe-salmão: ela põe seus ovos sobre um ninho de pedregulhos e recosta docemente para morrer no fundo do mar. Ali termina sua missão, logo no início da maternidade. Ela não fica para ver os filhos recusarem um beijo de manhã ou para ouvi-los sentenciar que sua técnica de subir a correnteza já está ultrapassada há séculos. Mas logo sacudo a cabeça e recobro o norte: viva a maternidade tradicional! Filhos sentados em turma à mesa, todos falando ao mesmo tempo. E de boca cheia.
Para sobreviver basta aceitar as regras da natureza. Por isso, durante a adolescência esqueça a cena da galinha com os pintinhos sob as asas - eles vão passar o feriado de 12 de Outubro com a galera, bem longe de você.
Foi-se a temporada de ursos com abraços matinais. Relaxe, seremos ouriços do mar por um tempo. Na segunda-feira aproveite para descansar - é feriadão. Aninhe-se com o gato em frente à TV. Faça-lhe cafuné que ele lhe fará companhia.
E nem argumente que o feriado é tributo à Nossa Senhora Aparecida, aquela mãe anunciada que merece reconhecimento e blá, blá, blá. Não faça drama. Apenas reze para que eles voltem direitinho.
Lembre-se também que 12 de Outubro foi o dia oficial do descobrimento da América: o encontro entre o Velho e o Novo Mundo. E quando os colonizadores chegaram, tudo era selva.
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